Os últimos momentos de Bashar-al Assad na Síria

Bashar al-Assad, 59 anos, não foi escolhido por seu pai, Hafez, para substituí-lo como presidente da Síria depois da sua morte. O sucessor seria Bassel, três anos mais velho do que o irmão Bashar. Mas um acidente de carro, na Síria, tirou a vida do filho indicado, aos 31 anos.

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Bashar soube da notícia da morte de Bassel em Londres. Lá, fazia pós-graduação em Medicina, no Hospital Ocidental Eye, e se especializou em oftalmologia. O jovem, alto, esguio e elegante, então, se deparou com um desafio que, para sobreviver, turvou sua visão de mundo.

Montou um regime oposto à sua aparência: vil, opulento e infame, capaz de matar, em um ataque com armas químicas, mais de 1,4 mil pessoas de seu povo, entre elas crianças, como ocorreu em 2013.

O oftalmologista passou a ditador, assim que o pai morreu, de infarto, em 2000. Trocou o olhar honesto da realidade, proposto no curso em que se formou, por um enfoque míope.

Desde então, não houve um instante sequer em que o ex-médico aplicasse seu conhecimento de forma inversa. Nunca apontou para nada com clareza. Deturpou, mentiu, delirou. Até o último instante.

Mentiu tanto que, desde 2011, quando se instaurou a Primavera Árabe, que deu início à guerra síria, ele tentou convencer a si mesmo e aos seus deturpados aliados que o seu regime era bom para o país. Que a opressão era justa, porque assim é a vida.

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Essa moral ao estilo do código de Hamurabi, criado pelo déspota babilônio não muito longe de lá, apenas adiou uma realidade. Mas, em 12 dias, a partir do fim de novembro, ela se fez tão nítida para ser vista a olho nu.

Os oponentes Hayat Tahrir al-Sham (HTS, em português, Organização para a Libertação do Levante) foram superando a quase inexistente resistência e tomaram o poder em Damasco.

Conforme conta a Reuters, nas últimas horas de seu regime, Bashar al-Assad encenou resistência, repleta de enganos e furtos, enquanto sua administração desmoronava.

Por um lado, o presidente sírio estava ciente da iminente queda de seu governo. Mesmo assim, um outro lado seu continuou a tentar convencê-lo de que mentir para si mesmo, e para os outros, era a melhor solução.

Não compartilhou com seus mais próximos a intenção de abandonar o país. Seu orgulho falou mais alto. Em vez disso, Bashar se manteve envolto em segredo, enganando aliados e até familiares, que permaneceram à margem dos seus planos de partida.

Assim como enganou durante 24 anos o seu povo, colocando o regime, que destruiu a Síria durante a guerra (queda de 85% do PIB).

Repressão intensa

Em uma reunião com cerca de 30 oficiais militares e de segurança no Ministério da Defesa, horas antes de deixar Damasco, Bashar afirmou que o apoio militar russo estava a caminho e pediu resistência das forças sírias.

Mas essa garantia era falsa. Nenhum reforço estava em preparação, e as autoridades locais não estavam cientes de que a situação já era irreversível.

“Por muitos anos a centralização foi fundamental para que o poder fosse mantido na Síria”, afirma a Oeste o historiador João Miragaya, do Instituto Brasil-Israel.

“A ditadura da família Assad foi um caso de êxito próprio, durou 54 anos, dos quais 41 foram de relativa estabilidade. A repressão foi intensa, mas o controle a mãos de ferro era eficiente, e não fosse o fenômeno regional da Primavera Árabe, possivelmente se estenderia por mais tempo.”

No fundo, Bashar não queria se convencer de que sua hora da verdade chegara. O poder centralizado se fragmentou, graças ao enfraquecimento de seus aliados Irã, Hezbollah e Rússia.

“Em função da ação israelense implacável contra o Líbano e ações contra o Irã, os principais avalizadores do regime tiveram que realocar forças”, afirma a Oeste o professor Danilo Porfírio de Castro Vieira, Relações Internacionais e Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub).

“O Hezbollah tem que mobilizar suas forças que estão na Síria para o Líbano e o Irã tem que rever a sua política estratégica que outrora era ofensiva e se torna defensiva. Somado aos problemas que a própria Rússia, outra apoiadora, tem com a guerra da Ucrânia. Essas três forças é que sustentavam o regime Assad. Então, esse é o ponto. E, além de tudo, a fragmentação da própria Síria. Não havia mais unidade em torno do regime Assad.”

Visita anterior a Moscou

Bashar não alertou nem seu irmão, Maher, 64 anos, comandante da 4ª Divisão Blindada do Exército. Ao contrário. Maher foi mantido, assim como outros aliados próximos, na mesma ilusão pela qual a população síria foi envolvida por décadas.

Maher Assad, nascido em 8 de dezembro de 1957, quando percebeu o engodo, passou seu entre o Iraque e a Rússia, onde desembarcou de helicóptero. Enquanto isso, seus primos maternos, Ehab e Eyad Makhlouf, também ficaram sem saber do plano do presidente, sendo deixados para trás quando Damasco caiu.

As informações foram dadas por 14 entrevistados pela Reuters, entre fontes como funcionários e oficiais, a respeito dos últimos minutos de Assad na Síria.

Na manhã de domingo, 8 de dezembro, Assad deixou Damasco a bordo de um avião privado, com o transponder desligado, evitando interceptações. Seu destino final foi Moscou, via base aérea russa em Latakia, na Síria.


A esposa de Bashar, Asma, e seus filhos já o aguardavam na capital russa, prontos para fugir com ele. Imagens de sua residência, capturadas por rebeldes, mostraram sinais de uma saída apressada, com alimentos deixados no fogão e álbuns de fotos de família abandonados.

Horas, antes, sua despedida da Síria foi melancólica. “Assad nem sequer fez uma última resistência. Ele nem mesmo reuniu suas próprias tropas”, disse Nadim Houri, diretor executivo do think-tank regional Arab Reform Initiative. “Ele deixou seus apoiadores enfrentarem seu próprio destino.”

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A instantes de partir, mais uma mentira. Ligou para sua assessora de imprensa, Buthaina Shaaban, e pediu que ela fosse até sua casa para escrever um discurso para ele, contou a assessora.

Assad, na verdade, havia visitado a Rússia em 28 de novembro, quando os rebeldes tomaram Aleppo. Na ocasião, soube que Moscou não lhe daria auxílio. Tentou, ainda, buscar suporte interno, mas viu que não era suficiente. Não quis então, admitir isso publicamente.

No espelho que reflete a verdade, o egoísmo de Assad era a sua solidão. Por isso, quando Buthaina, devota e temerosa, chegou para escrever o discurso, não encontrou ninguém lá. A realidade síria se fez nítida diante dela. Sem nem precisar colocar óculos.

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