A dita “guerra cultural” é uma verdade que muitos, da direita à esquerda menos avisada, custaram a aceitar nos primeiros dez anos do século 21. No Brasil, por mérito, nesse debate, Olavo de Carvalho, com justiça, recebe praticamente todos os louros dessa conscientização.
Hoje tal guerra é tão visível que ninguém mais — razoavelmente são — a nega ou tenta minorar sua importância. A elite intelectual à esquerda foi a primeira não só a entendê-la e criá-la nos moldes atuais, passando pelo marxismo clássico e seus primeiros defensores, mas principalmente pelos integrantes da Escola de Frankfurt, além de Antonio Gramsci e Saul Alinsky, mas também a vencer as primeiras batalhas nos primeiros 50 a 60 anos, e recolher seus frutos e espólios na sociedade. O identitarismo, já tão debatido nesta coluna, por exemplo, é filho direto das reinvenções do marxismo militante, cria máxima da militância esquerdista nessa guerra cultural.
No entanto, entre as inúmeras vias — ou campos de batalha — de atuação da esquerda nesse cenário de conflito, as principais se localizaram nas grandes mídias, igrejas e universidades, sem sombra de dúvidas, mas talvez a área onde ela conseguiu maior proeminência e dominância foi no campo cultural amplo, que designo como letras e artes visuais. Como editor de livros há quase dez anos, participante de fóruns, exposições e bienais, posso afirmar aos senhores com certa exatidão como o meu campo de atuação profissional é lotado de militantes engajados, militantes juvenis e militantes alheios — aqueles que militam, mas fingem que não.
+ Leia mais notícias de Cultura em Oeste
Suas atuações ativistas — porém, não poucas vezes, irrepreensíveis em questão de técnica editorial, devo assumir — estão relacionadas a três modus operandi específicos:
- tradução de obras abertamente militantes e de obras ambientadas e submersas nas teses que eles defendem;
- na crítica literária, dobrando, por vezes, clássicos ocidentais e orientais aos moldes de suas ideologias; e
- pela blindagem ou recusa de obras críticas às suas ideias.
Contra o domínio da esquerda na guerra cultural
Toda essa dominância, contudo, começou a ruir de forma gradual depois da virada do século, pois algumas editoras, por influência de bons editores que restaram em seus corpos editoriais, começaram a questionar essa hegemonia empobrecedora. Afinal, até mesmo para criticar e abominar certas ideias é preciso lê-las e entendê-las a partir de suas fontes primárias. Mas para isso, é preciso traduzir tais obras, ainda estejam à direita.
“Editoras se tornaram bunker liberal e conservador no seio mais tomado e fortificado desse embate de guerra cultural”
Pedro Henrique Alves
Com o passar do tempo, editoras abertamente alinhadas à direita começaram a ressurgir no país, com a clara missão de resgatar e renovar o campo editorial, arejar a economia das ideias e dar vasão a uma demanda reprimida por livros de cunho conservador e liberal. Editoras como É realizações, Quadrante, Vide Editorial, Instituto Mises — que viria a se tornar, em 2017, LVM Editora — tomaram a dianteira na publicação de obras subversivas à mentalidade revolucionária de esquerda, montando um novo bunker liberal e conservador no seio mais tomado e fortificado desse embate de guerra cultural. Hoje, tais editoras — e outras mais que foram se somando com o passar dos anos — se estabeleceram e dão frutos concretos, ampliando e democratizando o debate público no país.
Mas não é o suficiente. Parece-me que, neste instante, liberais e conservadores estão girando freneticamente em torno de suas fortificações estabelecidas, sem se darem conta de que para retomar espaço na cultura brasileira é preciso ir muito além do que já fizeram. Recentemente estive na Libertycon, reunião de liberais que ocorre recorrentemente em Belo Horizonte. Entre os inúmeros painéis do evento, muitos deles realmente interessantes e disruptivos, notei nos jovens — a maioria absoluta dos participantes — uma noção cíclica ou engessada de liberalismo e conservadorismo, quando não, uma completa ignorância com relação à guerra cultural em curso.
Os jovens ostentavam, em meio as suas afobações juvenis, mensagens de apoio a liberação da maconha, debatiam nos corredores sobre sociedades libertárias ideais e sobre a extinção do Estado. A impressão que tinha era que, se esses jovens acreditassem em paraíso, ele seria uma espécie de ilha libertária, sem nenhuma regra constituída e Estado, regada a hectares infindáveis de plantação de canabis e praças públicas onde, todos os dias, os moradores da ilha se sentariam para debater sociedades perfeitas segundo suas ideias particulares de liberdade.
Atenção com os jovens
O liberal e o conservador brasileiro ainda não entenderam, infelizmente, que há, de fato, uma guerra de “narrativas” sendo travada a todo instante. Não perceberam que existe um sistema universitário e midiático montado para criar novos militantes, que irão gerar outros novos militantes e que os valores tão caros de liberdade que eles juram defender têm que ser, de fato, defendidos, mas com estratégia e inteligência — e não com uma chuva de saliva sobre sociedades sem impostos e maconha livre.
Onde estão os conservadores escrevendo romances, não para defender o conservadorismo, vocês bem sabem que rechaço a ideia de literatura ficcional como mero fetiche ideológico? Entretanto, como é verdade que a obra emana das ideias, valores, pensamentos e observações do autor, naturalmente se um conservador escrever um romance, seus valores estarão ali. Leia Chesterton, Evelyn Waugh e C.S. Lewis para entenderem o que eu digo.
“Parece-me que, de um modo geral, a direita se especializou em rinhas de debates improdutivos”
Pedro Henrique Alves
Cadê os liberais cineastas, recobrindo a sociedade com filmes e documentários que brotam seus valores e princípios? Vocês dirão: “mas Pedro, existem sim autores conservadores, existem sim cineastas liberais”, claro que sim, mas eles têm a prominência dos de esquerda? Parece-me que, de um modo geral, a direita se especializou em rinhas de debates improdutivos, nadando em círculos enquanto expõe os mesmos argumentos de modo diferente, esquecendo-se de que a maior máquina de convencimento social se dá por meio da cultura popular.
Os jovens liberais e conservadores querem mudar o panorama cultural do país somente pela via intelectual, pela academia. E vejam, eles estão corretos em combater lá também. Não os recrimino. Mas é preciso tomar também a cultura popular, influenciar por meio de literatura juvenil, por ficções científicas, romances melosos ao estilo Nicholas Sparks e contos de terror e suspense ao modo Stephen King, bem como por meio de romances mais profundos e bem elaborados. Aqui fica um salve para a pequena e virtuosa Editora Danúbio, que vem promovendo bons romancistas brasileiros esquecidos pela elite militante das editorias nacionais.
“Escreva poesia e contos infantis. Depois, saia da bolha erudita e converse com a dona Ana e com o Bastião, fale com eles a respeito de valores, mas por meio dos assuntos que eles queiram falar.”
Pedro Henrique Alves
Se um jovem liberal ou conservador me abordasse hoje e me perguntasse o que ele deveria fazer para colaborar em favor do Ocidente e de seus valores clássicos, de pronto eu diria: escreva um romance, um bom romance. Escreva poesia e contos infantis. Depois, saia da bolha erudita e converse com a dona Ana e com o Bastião, fale com eles a respeito de valores, mas por meio dos assuntos que eles queiram falar. Não dê Hayek e Scruton para a tia Maria ler. Dê, quem sabe, um livro de ficção do G.K. Chesterton e Jane Austen. Para o seu Joaquim, invista numa novela de Nelson Rodrigues e Michel Houellebecq. Por que não?
A direita continuará como eterna “resistência” se não aprender a atacar com inteligência e amplitude. Promovam Alexandre Dumas, Fiódor Dostoiévski, Flannery O’Connor, J.R.R. Tolkien, C.S. Lewis, José de Alencar, Machado de Assis, Bernardo Guimarães e Monteiro Lobato. Popularizem-nos em seus círculos de amizade e influência. Enquanto isso, quem sabe, comece você mesmo a ser um escritor.
A guerra cultural não será vencida em uma mesa de debate ou numa disputa acadêmica sobre um tema qualquer. Isso se dará antes por meio do populacho, do convencimento ético e moral das massas. Espero que os conservadores e os liberais compreendam isso logo, pois a esquerda já entendeu há quase 200 anos.
Leia também: “A politização de absolutamente tudo”, artigo de Tom Slater, da Spiked, publicado na Edição 49 da Revista Oeste
O post O que liberais e conservadores ainda não entenderam sobre a guerra cultural apareceu primeiro em Revista Oeste.