E o assunto da semana, a nova febre nacional e internacional, acreditem se quiser, são os bebês de “faz de conta”. Na madrugada do último dia 30 de abril, uma loja de bonecas reborn no bairro Juvevê, em Curitiba, foi invadida por dois homens que levaram cerca de 15 bonecas hiper-realistas, causando um prejuízo estimado em R$ 55 mil para a proprietária do estabelecimento — seria um sequestro, afinal? Deixem nos comentários. E, calma, vai piorar. Por volta do dia 1ª de maio, viralizou um vídeo no Tik Tok em que uma “mãe de boneco” foi ao hospital e pediu atendimento ao bebê-borracha, alegando que ele estava com febre. Não demorou nada para que o deputado estadual de Minas Gerais Cristiano Caporezzo (PL) criasse uma lei que intenta multar pessoas que levem os bonecos para atendimento hospitalar.
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Tais bonecos, conhecidos popularmente como “bebês reborn”, vêm ganhando popularidade no Brasil, movimentando um mercado significativo e a atenção dos desocupados nas grandes redes. Em Minas Gerais, por exemplo, segundo o jornal O Globo, uma loja especializada chega a faturar R$ 40 mil por mês com a venda dessas bonecas, que podem custar até R$ 8 mil cada. Esta semana, vários sites de notícia revelaram uma briga judicial que está ocorrendo entre um casal recém-divorciado em torno de um desses bonecos, segundo o portal do jornal O Tempo, por questão de apego emocional e os valores envolvidos na compra do “bebê”, ambas as partes foram para o confronto jurídico. Mais do que inusitado, e até mesmo engraçado, já que vídeos aos montes pululam as redes onde mulheres aparecem tratando bonecas como se fossem bebês reais, imitando suas vozes e até dando tarefas domésticas para elas, tal situação revela também sintomas preocupantes de uma sociedade cada vez mais infantilizada, egocêntrica e psicologicamente afetada. Quando bebês de borracha são tratados como bebês reais, isso reflete que a nossa sociedade e sua sanidade são de palha, e que, talvez, nossos valores e nossa percepção de realidade, já tenham virado farelos.
“A diferença fundamental é que um bebê de plástico você pode descartar se ele lhe encher saco, mas um de alma e carne não” (Pedro Henrique Alves)
Sim, o bebê reborn desvela a todos uma sociedade profundamente doente, ao mesmo tempo que apresenta-nos um humano mimado e sem perspectiva de felicidade — embora tente equilibrar, em meio a esse destempero, suas tendências naturais. Ainda que de mentirinha, essa paternidade de bonecos parece revelar nos homens e nas mulheres contemporâneas uma necessidade atávica de ser mãe e pai, de reproduzir-se em algo; e, mesmo entre aqueles que dizem odiar o mero odor da real maternidade e paternidade, surge naturalmente neles uma necessidade de cuidar, moldar e se dedicar a uma missão de criação.
A diferença fundamental é que um bebê de plástico você pode descartar se ele lhe encher saco, mas um de alma e carne não — não sem responsabilização, espera-se. O dito bebê hiper-realista — que paradoxalmente também é fake —, não expandirá seu abdômen, não mudará suas contagens de hormônio e nem passará dolorosamente por seu canal vaginal ao fim de uma gestação. Não exigirá dos pais horas extras no serviço para comprar materiais escolares, e nem madrugadas sem dormir. Sim, um bebê de plástico não caga de madrugada, não exige fraldas e alimentos caros, nem o retira de sua diversão em um sábado à noite, ou de seu conforto egocêntrico num domingo à tarde, ele não precisará de convênio médico, remédios especiais e nem o decepcionará quando se tornar adolescente. Afinal, borracha não envelhece.
O que os bebês reborn não irão aprender

Mas o bebê reborn também não aprenderá com os seus exemplos, não copiará suas virtudes e vícios, falas e tiques, não o acordará pela manhã com um beijo real, um sorriso real e um “eu te amo” real. Ele não terá amigdalite, mas também não se entregará por livre escolha ao seu colo quando se sentir mal. Jamais acordará de madrugada para te atazanar, mas, olha que triste, ele nunca se levantará de noite com medo, e se deitará entre você e sua mulher buscando conforto e segurança. Também jamais fará você gastar um real com material escolar, mas jamais comemorará uma vaga na universidade. Ele jamais irá engravidar a namorada e nem usará maconha — olha que alívio —, mas também nunca te dará flores e netos.
No fundo, os vídeos de mulheres imitando as vozes de criança enquanto acariciam látex soa a mim como um pedido de socorro existencial. Elas são vítimas tardias de uma cultura bizarra criada em laboratórios universitários e expandida por mentes e escolas que não querem mais entender o homem e mundo real, mas antes criarem novos homens e novos mundos sob seus jugos, fazendo-nos crer que, se quisermos, podemos mudar profundamente não só o fato e a realidade experienciável, como a própria natureza humana em si. Desembocamos, assim, numa sociedade que supervaloriza o lucro, o conforto e o prazer egocêntrico, ao mesmo tempo que tenta minorar a beleza e o peso da realidade, quase que forçando-se a cumprir, como se fosse uma promessa inevitável, os insights de Aldous Huxley em Admirável Mundo Novo.
No fim, o homem e a mulher contemporâneos querem uma prole para fazer o que se acostumou a fazer com quase tudo que lhe pertence: buscar o conforto do que lhe é intrínseco e necessário, ao mesmo tempo que gozam da comodidade de poder descartar tal coisa se isso cansar sua mente ansiosa. Eles, sentindo o chamado, o incômodo e o desejo de sua natureza, encontraram nas respostas culturais e ideológicas que lhes foram inculcadas uma contradição: precisamos de filhos, de estabilidade e de um lar, mas também temos que ser independentes, insubordinados e cultivar o prazer incessante; e para burlar tal muro, criaram modas, objetos e estilos de vida que lhes dão ‒ nem que seja um pouco ‒ aquele objetivo pelo qual sua consciência clama, ainda que enterrada por mil camadas de politicismos e inculturações.
A geração que escolheu o aborto como método de não responsabilização e o bebê reborn como afago ilusório é profunda e visivelmente perturbada, irresponsável e sem capacidade alguma de maturidade. É preciso reafirmar a beleza da maternidade num mundo que politizou úteros e banalizou o casamento, que fez de homens e mulheres inimigos invencíveis, e de bebês reais, um problema de saúde pública. Um bebê de borracha é uma espécie de riso medonho de uma cultura moderna que buscou no prazer egocêntrico e na reinvenção da natureza humana, um esporte bisonho que machuca enquanto revela uma mazela profunda da alma e da dignidade humana; quando passa ser normal ver mulheres adultas acariciando borracha enquanto fingem um diálogo com um boneco a qual chamam de “filhos”, a sanidade de nossa sociedade claramente não está em boas condições.
Leia também: “O fenômeno dos ‘bebês’ reborn“, artigo de Flávio Gordon publicado na Edição 269 da Revista Oeste
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