As decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que interferem diretamente em mandatos parlamentares cresceram de forma exponencial nas últimas duas décadas. De 1988 a 2004, foram 36. Desde 2005, esse número saltou para 704, alta de 1.856%.
O levantamento do jornal O Estado de S. Paulo considera ações penais, disputas eleitorais e brigas internas do Legislativo levadas ao STF, como questionamentos sobre nomeações ou a posse de parlamentares.
+ Leia mais notícias de Política em Oeste
O caso mais recente envolve o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), acusado de participar de uma suposta tentativa de golpe de Estado. A Primeira Turma da Corte ignorou decisão da Câmara que havia suspendido o andamento do processo e manteve parte das acusações.
A reação foi imediata. Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Casa, acionou o próprio STF para tentar reverter a decisão, além de intensificar a articulação pela aprovação da PEC que proíbe decisões monocráticas dos ministros.
A atuação da Corte se espalha por três frentes: criminal, eleitoral e institucional. Os ministros autorizam prisões, julgam cassações e interferem em decisões internas do Congresso.
O professor Luiz Esteves Gomes, do Insper, enxerga o início da guinada no julgamento do Mensalão, em 2005. Desde então, a Corte abandonou a postura discreta dos anos de redemocratização e passou a atuar com mais visibilidade.
A tensão se agravou com a Lava Jato e atingiu novo pico com as investigações sobre o 8 de Janeiro.
“Essas ações também são acompanhadas por uma mudança na Constituição e por mudanças interpretativas do STF”, disse Luiz.
No caso Ramagem, os ministros decidiram que apenas parte das acusações poderia ser suspensa, considerando que crimes como a suposta tentativa de golpe teriam ocorrido antes do início do mandato.
O argumento da Câmara — de que todos os fatos aconteceram depois da posse, em dezembro de 2022 — foi desconsiderado.
Reação da Câmara inclui PECs e ofensiva jurídica
A resposta do Congresso seguiu dois caminhos. No campo jurídico, a Mesa Diretora entrou com ação para restabelecer a suspensão completa da ação penal. No político, ganhou força a Proposta de Emenda à Constituição que limita decisões individuais dos ministros da Corte.
O texto, já aprovado pelo Senado, agora avança na Câmara com apoio de parlamentares como Zucco (PL-RS) e Alfredo Gaspar (União-AL). Ambos enxergam a proposta como necessária para proteger a autonomia do Parlamento.
+ Leia também: “Gilmar Mendes envolve AGU e PGR na disputa pelo comando da CBF”
Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), autor da PEC, defende que a Corte deve tomar decisões colegiadas, e não individuais.
Além disso, o caso da deputada Carla Zambelli (PL-SP), condenada a mais de 10 anos de prisão por invadir o sistema do Conselho Nacional de Justiça, também acirrou os ânimos.
Embora a sentença não tenha transitado em julgado, o ministro Alexandre de Moraes sugeriu que a cassação de seu mandato poderia ocorrer por decisão da Mesa Diretora, sem votação em plenário — medida prevista para casos de ausência prolongada.
Deputados reagiram. O líder do PL, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), afirmou que apenas a Câmara tem poder de cassar mandato. Pela Constituição, a cassação só pode ocorrer depois do trânsito em julgado da condenação e exige voto da maioria absoluta do plenário.
Parlamentares defendem mandatos para ministros do STF
Para analistas, a reação da Câmara é um movimento de autodefesa. O cientista político Cláudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas, vê o conflito como parte de um padrão crescente de tensão.
“É um jogo de estica e puxa que, nos últimos anos, tem provocado fricções sucessivas”, disse Cláudio. “Está piorando cada vez mais.”
Já Leandro Consentino destaca que Hugo Motta age como representante da base, preocupado em proteger os colegas e reforçar sua própria liderança.
Consentino lembra que a decisão contra Ramagem provocou uma reação que também reflete outras disputas em andamento.
Ele cita como exemplo as ações relatadas pelo ministro Flávio Dino, que exigem mais transparência na execução das emendas parlamentares — hoje uma das principais moedas de troca política no Congresso.
A resposta legislativa à atuação do STF vem ganhando forma em diferentes frentes. Além da PEC contra decisões monocráticas, parlamentares defendem o estabelecimento de mandatos para os ministros da Corte, algo hoje inexistente.
+ “Articulações com o STF para o bem do país”
Desde 2016, mais de 90 pedidos de impeachment contra os magistrados foram protocolados. A PEC 50/2023, em análise na Comissão de Constituição e Justiça, permite que o Congresso anule decisões do STF caso entenda que houve abuso de poder.
Há ainda propostas para restringir ordens de prisão e busca e apreensão contra congressistas. A motivação por trás dessas medidas não é apenas política: reflete o receio de que a Corte esteja extrapolando sua função constitucional.
Judicialização da política expõe falhas do sistema
Apesar da resistência, especialistas reconhecem que o protagonismo do STF também decorre da paralisia do sistema político.
Em um cenário de alta corrupção, baixa capacidade de articulação e fragilidade institucional, o Judiciário acaba ocupando espaço. A judicialização da política virou reflexo da dificuldade dos demais Poderes em arbitrar conflitos, resolver impasses e construir consensos.
Com isso, o Senado se tornou peça-chave nas estratégias para 2026. Como única Casa com prerrogativa de julgar ministros do STF, passou a ser alvo tanto de quem defende quanto de quem tenta conter a Corte.
Não à toa, Jair Bolsonaro tem repetido sua estratégia: “Me deem metade do Senado que eu movo o Brasil.”
O post Decisões do STF contra parlamentares crescem 1.800% desde 2005 apareceu primeiro em Revista Oeste.