A fadiga da virtude: a lenta morte do ESG e do DEI corporativo

André Burger*

A morte anunciada do Environmental, Social and Governance (ESG) e do Diversity, Equity and Inclusion (DEI) nos Estados Unidos não veio como uma explosão — mas como um suspiro abafado de alívio nas salas dos conselhos de administração. Em 2025, o que parecia ser uma cruzada moral irreversível, com empresas transformadas em ONGs de capital aberto, virou um incômodo constrangido. A retórica da virtude deu lugar à aritmética dos lucros. E, para espanto dos sacerdotes do stakeholderismo, o mundo não acabou.

A virada foi gestada nos bastidores. Já em 2022, executivos confidenciavam que os fundos ESG eram, na prática, uma repaginação de velhos fundos S&P 500, com algumas exclusões cosméticas e taxas de administração multiplicadas por cinco. O marketing de consciência pesava mais que o conteúdo. E como toda boa fábula moral, vendia bem enquanto havia consumidores e investidores dispostos a pagar pela ilusão.

O problema é que a conta chegou.

Com a reeleição de Donald Trump, a reação conservadora ao “capitalismo de propósito” foi convertida em política pública. A ofensiva jurídica contra iniciativas de diversidade e a vigilância sobre fundos com critérios ambientais e sociais injetaram pânico jurídico nos departamentos de compliance. Em 2024, cerca de US$ 20 bilhões evaporaram dos fundos ESG nos Estados Unidos. Era o mercado reensinando sua velha lição: o valor para o acionista ainda fala mais alto do que as intenções nobres impressas no código de conduta.

Empresas correram a ajustar o discurso – algumas com discrição, outras com brutalidade. A Meta eliminou seus programas internos de diversidade. A Microsoft demitiu toda a equipe global de DEI. A Walmart encerrou o Centro de Equidade Racial e a John Deere cancelou o patrocínio a eventos de conscientização cultural. A Tractor Supply, atacada por seu próprio público nas redes sociais, enterrou suas metas climáticas sem velório nem nota de pesar.

A maioria seguiu o manual do rebranding: “diversidade” virou “cultura”, “equidade” virou “conectividade”, e o termo “justiça climática” sumiu dos relatórios anuais como quem apaga postagens embaraçosas nas redes sociais. O caso da BlackRock, por muito tempo símbolo do movimento ESG, é emblemático: fundiu sua equipe de DEI com a de gestão de talentos e passou a utilizar termos mais genéricos como “cultura organizacional” e “conectividade”. Os nomes da moda, ESG e DEI, que até recentemente representavam o engajamento das empresas, passaram a ser vistos como potenciais fontes de risco regulatório, jurídico e reputacional — especialmente em mercados politicamente polarizados como os Estados Unidos. Os conteúdos nos relatórios anuais sobre esses temas — em muitos casos, vagos e inócuos — só deixaram de ser exibidos.

Fundos como Vanguard, JP Morgan e State Street abandonaram coalizões climáticas como o Climate Action 100+. Investidores institucionais, antes seduzidos por narrativas de impacto, voltaram a fazer a pergunta essencial: isso tudo gera resultado? Ou só manchete?

Esse movimento reflete o aumento do custo reputacional de políticas percebidas como alinhadas a “ativismo corporativo”. A pergunta que poucos ousavam fazer era simples: até onde uma empresa deve ir ao tentar ensinar valores ao seu consumidor? O episódio Bud Light , com perdas estimadas acima de US$ 1 bilhão, mostrou que pregar valores para um público que não os compartilha pode sair mais caro do que se imaginava. Quando a marca decide converter o consumidor em discípulo, arrisca ser excomungada do próprio mercado.

Do outro lado, ativistas como Robby Starbuck entenderam a lógica: não se combate uma gigante financeira com tuítes sobre ética universal, mas sim com boicotes direcionados ao seu público-alvo. E quando o consumidor conservador descobre que a marca de tratores ou o supermercado está promovendo causas que ele repudia, a resposta vem na linguagem universal: cancelamento na boca do caixa.

A confusão entre responsabilidade social corporativa e ativismo ideológico disfarçado de compliance ganhou força a partir de movimentos de ressignificação do papel da empresa. De agentes econômicos voltados a gerar valor para o acionista, as corporações foram pressionadas a agir como organismos morais, encarregados de corrigir desigualdades históricas e mitigar mudanças climáticas. A ideia de que o CEO deve ser também um redentor social é tão simpática quanto impraticável. Uma utopia. E um erro.

Como alertou Milton Friedman, em 1970, a única responsabilidade social da empresa é gerar lucros — desde que jogue limpo. Tentar construir justiça social via conselho de administração é abrir espaço para que a política se infiltre onde deveria haver apenas concorrência, contratos e competência. Delegar à empresa a tarefa de construir justiça social, no fundo, é expandir os mecanismos políticos para o interior da vida econômica – algo que, como Friedman previu, dissolve as fronteiras entre o público e o privado. Uma receita clássica para o autoritarismo difuso.

O recuo do ESG e do DEI deve ser lido não como regressão, mas como exaustão institucional, retórica e operacional. As empresas começaram a perceber que estavam promovendo programas ineficazes com métricas inconsistentes e critérios éticos mutantes. Essas iniciativas passaram a ser vistos como de fato são: caras, ineficazes e, por vezes, contraproducentes.

Empresas como a Strive Asset Management cresceram justamente por renunciar à retórica ESG e defender abertamente a primazia do acionista – e foram recompensadas com mais de US$ 1 bilhão sob gestão em menos de dois anos. A tese? Menos panfletos, mais performance.

Nada impede que empresas promovam ações voluntárias de impacto social. Muitas o fazem bem – e sem precisar da chancela de burocracias ESG. Mas o que 2025 parece nos ensinar é que, para a maioria das empresas, misturar moralismo e marketing é perigoso. E caro. O mercado está dizendo que prefere um capitalismo realista – sem cosplay de ministério da igualdade.

A tendência para os próximos anos é a consolidação de uma visão mais pragmática e menos ideológica do papel da empresa na sociedade. Iniciativas de impacto social continuarão existindo, mas com maior foco em relevância estratégica, mensuração de resultados e alinhamento com os interesses de longo prazo dos acionistas e stakeholders diretamente vinculados ao negócio.

Empresas que souberem equilibrar responsabilidade corporativa com realismo econômico estarão mais bem posicionadas para responder às novas demandas do mercado, evitando desgastes desnecessários e reforçando seu compromisso com uma governança sólida e transparente.

Como lembrou o economista Theodore Levitt, em 1958, no seu artigo “The Dangers of Social Responsability”, o problema não é o estado querer nos salvar. É quando empresas, sindicatos e ONGs decidem competir para ver quem interfere mais em nossas vidas privadas – sempre movidos, claro, pelas melhores intenções. O resultado é previsível: menos liberdade, menos lucidez e menos lucro.

Leia também: “De olho em 2026, gringos estão otimistas com a bolsa brasileira”, coluna publicada na Edição 270 da Revista Oeste


*André Burger é economista e conselheiro do Instituto Liberal

O post A fadiga da virtude: a lenta morte do ESG e do DEI corporativo apareceu primeiro em Revista Oeste.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.