Por que a PEC não resolve o problema da escala 6×1

As redes sociais estão tomadas, nesta semana, por clamores de pessoas que expressam cansaço com a jornada de trabalho de seis dias semanais. O movimento surgiu a partir da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de autoria da deputada federal Erika Hilton (Psol-SP), a qual propõe não apenas o fim da escala 6×1, como também a imposição da escala 4×3.

A PEC alcançou o número necessário de assinaturas para tramitar na Câmara na última quarta-feira, 13. Se aprovada, a proposta alteraria o teto para a jornada laboral previsto na Constituição, de 44 horas semanais. “Os empregados sempre buscaram reduzir o tempo de trabalho, sem ter seus salários diminuídos”, defende Erika, conforme trecho da proposta.

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Enquanto muitos empregados no modelo CLT mostram insatisfação com a carga exaustiva, os donos das pequenas e médias empresas — que compõem a maior parte dos empregadores no Brasil — começam também a manifestar preocupação. Se as operações no comércio nacional já não estão fáceis, beirariam o inviável caso a PEC fosse aprovada como foi proposta. 

Produtividade, o primeiro passo para o fim da escala 6×1

Erika Hilton utiliza como exemplos as experiências de países como a Alemanha para justificar um possível sucesso da proibição da escala 6×1 no Brasil. A comparação não tem nexo, diz Raphaël Lima, fundador e conselheiro do Instituto Livre Mercado

“A produtividade alemã é 3,6 vezes superior a nossa”, afirma Lima, em publicação no Twitter/X. A Oeste, ele explicou como o aumento de produtividade é a grande chave para gerar um movimento orgânico de crescimento do poder de compra e, consequentemente, redução das horas trabalhadas. 



Produtividade é a medida de riqueza produzida por unidade de tempo — isto é, quanto se produz de algo que as pessoas queiram comprar no período de uma hora trabalhada. Os níveis produtivos do Brasil pouco têm a ver com alguma suposta ineficiência do trabalhador, ressaltou Lima. 

Maquinário, educação e cultura de trabalho são os principais fatores determinantes nesse quesito. De acordo com o presidente do Instituto Livre Mercado, o Brasil tem equipamento “totalmente defasado”, estrutura educacional “patética” e uma cultura de trabalho “ruim”. O último fator é fruto, prosseguiu o estudioso, da política que o governo do país impulsionou por séculos.  

“O Brasil sempre foi um país de oligarquias, de político rico, de empresário que só fica rico junto com político”, diz Lima. “Um país onde o crime compensa e onde o trabalho não compensa.”

Ou seja, segundo Lima, não há qualquer fomento à construção de uma cultura de trabalho que premie os que muito se dedicam. 

A política de Estado do Brasil historicamente pune quem produz e quem investe no mercado nacional, afirma o empresário. Dessa forma, se o país não tem produtividade, “as pessoas têm que trabalhar muito para não morrer de fome”, o que faz da escala 6×1 o sintoma de um problema com raízes mais profundas.  

Dados de 2019 da Our World in Data revelam que o Brasil produzia US$ 19,20 por hora trabalhada. O número de horas, já naquele ano, era superior ao número de horas trabalhadas no Reino Unido, Espanha, Bélgica, Alemanha e Dinamarca, cuja produtividade era entre US$ 54 e US$ 76 por hora trabalhada. 



A Dinamarca, campeã do ranking, era o sétimo país com mais liberdade de negócios do mundo em 2019, segundo a Heritage Foundation. Em 2024, ela lidera a classificação. A jornada de trabalho do país é uma das menores do mundo, com cerca de 32 horas. Assim como em outros países nórdicos, há uma cultura de trabalho flexível, na qual muitas empresas possibilitam horários de expediente ajustáveis. 

Raphaël Lima conclui que, diante dessa realidade, torna-se inútil resolver o problema da escala 6×1 apenas com uma imposição do governo. “Essa escala existe porque ela é, lamentavelmente, a forma mais eficiente de usar mão de obra simples, especialmente no setor de serviços e comércio, num país de baixa produtividade”, explica. “É lamentável, é uma merd*, ninguém quer isso, mas ela existe por causa disso.”

Propostas que simplesmente reduzam a carga horária dos trabalhadores, portanto, deveriam trazer antes medidas de fomento à produtividade — como, por exemplo, redução de impostos sobre as receitas de empresas ou de importação de maquinário avançado — para ter êxito. Caso contrário, uma PEC como a de Erika Hilton faria com que “gente seja demitida, salários caiam e com que parte do custo seja repassado em preços para o consumidor.”

Produtividade do Brasil cresce pouco
De 1981 a 2024, a produtividade do Brasil comparada ao número de pessoas empregadas | Foto: Divulgação/FGV Ibre

Pequenos empresários comentam possíveis efeitos da PEC da escala 4×3

Em entrevista à emissora GloboNews na última segunda-feira, 12, Erika Hilton disse não ter um estudo específico sobre como a PEC de imposição da escala 3×4 afetaria a economia brasileira. Entretanto, os pequenos empresários já começam a mensurar possíveis impactos.

Adilson Lacerda, de 51 anos, dono de uma loja de roupas femininas em Belford Roxo, no Rio de Janeiro, afirma que, em uma escala 4×3, precisaria contratar uma ou duas novas funcionárias. Atualmente, a equipe tem três além dele, que igualmente cumpre expediente no estabelecimento.

Empresário há cerca de 35 anos, ele teme, caso a PEC seja aprovada, queda nas vendas, uma vez que o comércio em geral já não anda bem. Em 2023, Lacerda precisou fechar a loja em Nova Iguaçu, também na Baixada Fluminense, e permanecer apenas com a matriz. 

Enquanto empresas maiores, com mais funcionários, poderiam ter maior escopo para remanejar as escalas de trabalho, o pequeno teria que arcar com custos de mais contratação. “Vai gerar um custo muito alto, porque o custo do empresário, principalmente o pequeno, vive muito no limite.” 



Morador de São João de Meriti, outro município da Baixada Fluminense, Lacerda tem cerca de R$ 40 mil de faturamento mensal, em média. Desse valor, cerca de 8% vão para impostos — que são cobrados sobre o faturamento bruto das empresas — e cerca de 20% são custos com pessoal, ou seja, salários e outros custos trabalhistas. 

No caso de aprovação da PEC no formato em que foi protocolada, o comerciante conclui que o consumidor é quem vai arcar com as mudanças. “O pequeno empresário não tem como absorver mais custo”, diz Lacerda. “Às vezes a gente até não repassa, para não perder venda, mas chega uma hora que fica inviável.”

Também na Baixada Fluminense, Alexander Braga concorda com as afirmações de Lacerda. Aos 50 anos e empresário há 20, ele é dono de uma padaria em Nilópolis (RJ) e mora em Anchieta, bairro da zona norte da capital fluminense. 



Com 25 funcionários, Braga conta que cerca de 15% do faturamento bruto — isto é, sem descontar custos com fornecedores, manutenção de equipamentos e impostos — vai para os custos com a equipe. As despesas possivelmente dobrariam caso fosse imposta uma escala com o máximo de quatro dias trabalhados por semana. “Poderia dizer que ficaria uma operação inviável.” 

Bem-estar do trabalhador sem liberdade econômica é impossível, diz deputado do Novo

No Brasil, manter um empregado CLT custa mais de 50% além do salário. O provável aumento colateral da inflação decorrente do corte forçado de jornada foi um dos motivos que fez o deputado Gilson Marques (Novo-SC) votar contra a PEC de Erika Hilton. 

Se o custo das operações para manter um negócio cresce, é natural que o preço dos produtos e serviços subam também, explica Marques em entrevista a Oeste. Como a inflação pesa primeiro no bolso dos mais pobres, são justamente os trabalhadores alegadamente favorecidos pelo fim da escala 6×1 que sentiriam maior impacto da perda de poder de compra. 

O resultado, prossegue o parlamentar, poderia ser o aumento da informalidade, para complementar o salário desvalorizado. Hoje já é assim. “Tem gente que trabalha na escala 6×1 e vai fazer bolacha, vai ser Uber, lavar roupa para fora, pois o salário não dá conta.”



Algo semelhante aconteceu depois da PEC das Domésticas. Aprovada em 2013, ela instituiu vínculo empregatício nos moldes da CLT para as empregadas. Dez anos depois, em 2023, o percentual de trabalhadoras formalizadas caiu de 31% para 25%, segundo números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. A maior parte das trabalhadoras do setor passou a atuar na informalidade, como diarista. 

Não é que o problema do trabalho à exaustão não exista. Entretanto, a solução não está na lei que será discutida no Congresso, avalia o parlamentar catarinense. “O que a lei deve fazer primeiro é dar mais liberdade”, observa Marques. “É preciso desburocratizar e não cobrar tantos tributos.”

Além dos tributos que o empregador paga para contratar e manter funcionário, todos os brasileiros arcam com impostos sobre consumo. “É quase a metade do que o trabalhador paga”, ressalta Marques. “Isso sim o escraviza.”



“Quer ajudar o trabalhador? Deixa o dinheiro no bolso dele”, enfatiza o deputado federal. “Isso sim aumenta o salário dele.”

O deputado assinou a proposta da PEC da Alforria, que propõe liberdade para reduzir as horas trabalhadas, com salário e garantias da CLT proporcionais. 

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