No Afeganistão, o Talibã intensificou a censura de livros considerados “não islâmicos” ou antigovernamentais. Agentes do governo realizam inspeções, listas de livros proibidos e remoção de exemplares das bibliotecas e livrarias para verificar a presença de títulos indesejados.
Desde que o Talibã voltou ao poder, em 2021, uma comissão do Ministério da Informação e Cultura coordena ações de remoção de livros de bibliotecas, livrarias e mercados locais. As diretrizes seguem a interpretação do grupo terrorista afegão da lei islâmica, a sharia.
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No primeiro governo talibã, entre 1996 e 2001, havia poucas editoras e livrarias na capital afegã, Cabul, uma vez que o país estava devastado por décadas de guerra.
O Talibã confiscou 400 livros apenas em um mês
Em outubro, o ministério anunciou que a comissão identificou 400 livros que “entravam em conflito com os valores islâmicos e afegãos”, a maioria disponível em mercados. O governo talibã distribuiu cópias do Alcorão e outros textos islâmicos para substituir os volumes confiscados, de acordo com um comunicado oficial.
O Talibã não divulgou o número total de exemplares retirados. Entretanto, um editor em Cabul e um funcionário do governo informaram a agência de notícias AFP sobre o confisco de textos tanto no primeiro ano do novo governo do Talibã quanto nos últimos meses.
“Há muita censura”, disse o editor de Cabul à agência de notícias. “É muito difícil trabalhar, e o medo se espalhou por todos os lados.” A AFP teve acesso a uma lista com cinco livros proibidos, fornecida por um representante do Ministério da Informação. As duas fontes preferiram permanecer anônimas.
A lista inclui Jesus, o Filho do Homem, do autor libanês-americano Khalil Gibran, acusado de blasfêmia, e O Crepúsculo dos Deuses da Estepe, do albanês Ismail Kadaré. Obras de figuras ligadas ao governo anterior também foram banidas, como Afeganistão e a Região: uma Perspectiva da Ásia Ocidental, de Mirwais Balkhi, ex-ministro da Educação do governo anterior.
Como funcionam os confiscos de livros no Afeganistão
O Afeganistão semanalmente importa milhares de livros do vizinho Irã, com quem compartilha o idioma persa. Os carregamentos passam pela fronteira de Islam Qala, na Província ocidental de Herat.
A AFP presenciou uma fiscalização de livros importados na alfândega de Herat, na qual um funcionário talibã folheava um exemplar em inglês, enquanto outro buscava imagens de seres vivos — algo proibido por algumas interpretações da sharia — em outro volume.
Segundo Mohamad Sediq Khademi, funcionário do departamento de Promoção da Virtude e Prevenção do Vício em Herat, os talibãs não proíbem volumes de um país ou autor específico. “Mas analisamos os livros e bloqueamos os que são contrários à religião, à sharia ou ao governo, ou que contenham fotografias de seres vivos”, disse.
As imagens de seres vivos estão proibidas por uma lei recente de “vício e virtude”, que reúne normas impostas pelos talibãs depois de seu retorno ao poder. O funcionário do governo, de 38 anos, afirmou também que “qualquer livro contra a religião, a fé, o culto ou a sharia não será permitido”. Ele começou a avaliar os exemplares importados há três meses.
O governo avisou aos importadores quais livros evitar. Segundo Khademi, eles têm a possibilidade de devolver os títulos e obter reembolso. “Mas, se não puderem, não temos outra opção senão confiscar”, acrescentou. “Uma vez tivemos 28 caixas de livros rejeitadas.”
Livreiros na obscuridade
Apesar das normas e procedimentos do Talibã, a fiscalização não é uniforme. De acordo com um livreiro de Herat e um funcionário do departamento de informação provincial, que pediram anonimato à agência de notícias AFP, as autoridades não têm visitado livrarias buscando exemplares proibidos.
Nas lojas dessa cidade próxima ao Irã, ainda é possível encontrar livros com imagens de seres vivos. Contudo, alguns livros foram retirados de bibliotecas em Herat e livrarias em Cabul, informou outro livreiro, também sob anonimato, à AFP.
Na capital afegã ou Takhar, uma Província no norte, onde livreiros receberam listas com 400 títulos proibidos, ainda há livros vetados nas prateleiras. Muitas obras estrangeiras estão proibidas, explicou um livreiro. “Eles verificam o autor, e a maioria dos nomes estrangeiros é vetada.”
A loja dele ainda oferece traduções do romance O Jogador, do autor russo Fiódor Dostoiévski, e da fantasia A Filha da Deusa da Lua, de Sue Lynn Tan. Apesar disso, o livreiro está disposto a vender os exemplares “muito baratos”, a fim de se livrar dos volumes.
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