Não, seu filho não precisa de um smartphone na sala de aula

Fui professor de ensino médio durante quatro anos. Conheci, nesse relativo curto período como docente, algumas belezas e mazelas da profissão. E, entre os males que pude constatar como inimigo da docência e do aprendizado, com certeza os smartphones encabeçavam a lista. Confesso que, apesar de escrever bastante sobre esse assunto, é algo que me deixa um tanto quanto desconfortável, pois me leva a um mundo nefasto de “inimigos” e “amigos” do estudo. E bem sei que a pedagogia e a própria disciplina intelectual incutida no ato de estudar demandam mais que uma visão monocromática da realidade. Consigo ver benefícios e malefícios no acesso facilitado e verborrágico à informação que os smarthphones trouxeram para nossas vidas, mas se hoje, sinceramente, pudesse balancear minha análise entre os bens e males trazidos pelos celulares em sala de aula, não julgaria que os benefícios sejam maiores que o oposto, de forma alguma.

Dentro da sala de aula, especificamente, os smarthphones são verdadeiros cânceres, pois consomem a atenção dos alunos de forma brutal. Entre disfarces e broncas dos professores, os estudantes sempre arrumarão brechas para descer um pouco mais a timiline do Instagram, passar para o próximo story ou fofocar com um colega que está há 2 metros dele naquele instante, na mesma sala de aula. O celular, caros pais e amigos — confiem em mim nesse momento, pois estive diariamente lá nessa cena que descrevi acima —, é um fator de empobrecimento intelectual e fragmentação da atenção dos alunos. E, naqueles dias, ninguém havia me mostrado pesquisas. Não fui “doutrinado” a pensar assim, simplesmente vi isso acontecer ao vivo todos os dias em que lecionei.

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E, se você é um dos que precisam de provas, então recomendo um simples e breve “google” no assunto. Ele mostrará com ciência aquilo que digo por experimento; além disso, se quiser se aprofundar na literatura sobre o assunto, recomendo dois ótimos livros — por mim já citados anteriormente nesta coluna —: A Geração Ansiosa (Companhia das Letras) e A Fábrica de Cretinos Digitais (Vestígio). O smartphone, quando usado sem controle, se torna um vício, tal como as drogas que vocês, pais, se arrepiam só em pensar que seus filhos possam um dia utilizar. Hoje há inúmeros estudos relacionando a queda do QI geral da geração Z e millenials por causa dos smartphones e tecnologias parelhas, bem como incontáveis pesquisas que relacionam de forma direta e comprobatória a utilização dos citados aparelhos a crises de ansiedade e depressão. Sugiro que vá agora na Amazon, encomende esses dois livros e leia antes da virada do ano, se possível. Eles são recheados de notas de rodapé, com fontes primárias de estudos. Recomendo principalmente se você for pai e mãe de adolescentes.

Tela de celular com o app do WhatsApp
Tela de celular com o app do WhatsApp | Foto: Reprodução/Flickr/yuri.samoilov.online

Tarcísio de Freitas e a lei dos smartphones

Pois bem, a lei sancionada pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, esta semana, que proíbe a utilização de smartphones em sala de aula, dividiu opiniões até mesmo entre a direita nas redes. O principal argumento dos contrários é que o smartphone é um instrumento que inibe a doutrinação e outras coisas mais dentro da sala de aula. Pois bem, esse é o típico band-aid utilizado para tratar pneumonia; a doutrinação se dá por vias que vão muito além da sala de aula. Da ementa do curso, às palestras programadas, aos tensionamentos de pesquisa dos docentes, tudo isso é politicamente penso para um lado político em nossas universidades, num contexto geral. O que é ensinado dentro da sala de aula não vai deixar de ser ensinado porque um professor foi exposto em suas vergonhas ideológicas. Se fosse o caso, os inúmeros vídeos expondo tais militantes/professores já teriam solucionado tal sovietização de nossa educação. Os modos de parar tal problema não passam pela simples denúncia de vídeos, mas pelo boicote de pais e sociedade organizada. Os celulares em sala de aula servem mais para prejudicar os alunos do que para amedrontar ideólogos, isso é claro.

Sala de aula com alunos estudando em escola pública, em Aquidabã, Sergipe (4/3/2022) | Foto: Shutterstock

Acredito que os indivíduos, de todas as gerações, mas com maior ênfase para as mais recentes, devem encontrar um equilíbrio psicológico no uso de tais meios, sob a pena, caso não o façam, de se tornarem cada vez mais broncos e inaptos para a própria vida tal como ela é. Percebam que há um prazer incutido no próprio afastamento consciente dessas redes e tecnologias. Trata-se de uma sensação de liberdade psicológica, não precisar checar compulsoriamente mais uma notificação, responder alguém que nos chama, e até mesmo esquecer dos e-mails pululantes da empresa. Nossos cérebros não foram feitos para ficar em alerta constante como demandam nossos smartphones; essa tecnologia que hoje habita os nossos bolsos, tal como um parasita, necessita da fragmentação absurda de nossa atenção, ou seja, é necessário estar fazendo, ininterruptamente, muitas coisas o tempo todo quando estamos com o celular desbloqueado ante nossos olhos. E uma das indispensáveis condições para o crescimento e treinamento intelectual, tal como dois dos maiores especialistas do tema afirmam em seus livros: A Vida da Mente (LVM), de James V. Schall, e A Vida Intelectual (É realizações), de A.D. Sertillanges, é o foco e a disciplina, virtudes intelectuais essas que são as primeiras a serem extirpadas quando uma criança ou adolescente pega o smartphone de seus bolsos, principalmente dentro da sala de aula.

Celular não combina com ensino

Talvez um dia, por meio de uma adaptação gradual e virtuosa de nossa espécie, tal problema seja solucionado sem precisar de leis e proibições, mas hoje ela é necessária. Falem o que quiserem, da esquerda à direita, estudos e smartphones não combinam de forma profunda. Ainda que utilizado para um fim nobre, não tardará para que uma mensagem da morena, ou um e-mail do chefe, quiçá ainda, um comentário no Instagram, o retire de seus 3 minutos de atenção heroica a fim de dar uma espiadinha no mundo frenético e hipnotizante das redes sociais.

redes sociais
A revista Jama Pediatrics produziu o primeiro estudo detalhado sobre uso de redes sociais | Foto: Freepik

Se você quer que seu filho realmente estude, ou, se você é um jovem ou adolescente, e quer vencer a procrastinação, a ansiedade e o retardo em sua rotina intelectual, deixe seu smartphone de lado por tempos determinados, e foque, se discipline a estudar de forma constante durante um período adequado. Acredite se quiser: o mundo sobreviverá sem uma hora de sua presença digital; afinal, o mundo real é este, da sala de aula, do seu quarto, da avenida que você pega o busão, da mesa de jantar com seus pais. Um mundo que pede sua presença real, e não virtual; e se precisar usar seu celular para pesquisar e complementar seu estudo, fique à vontade — mas após terminar a aula e seu tempo de estudo. Temos de devolver o mundo digital ao canto que é dele, voltar a tornar os celulares nossos instrumentos e não nossos senhores.

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