“ERRATA. ‘Ao contrário do que disse no meu comentário sobre as diferenças entre nota de comunidade e o sistema de checagem de fatos, as notas no X são abertas a todos os usuários da rede, independentemente de serem verificados ou não, de pagarem ou não’”. A errata foi postada pelo perfil da GloboNews no X, não sem certa surpresa: a GloboNews não é famosa por pedir desculpas, desinteressando o tamanho do erro.
A ironia suprema do fato é que o jornalista Octávio Guedes, da GloboNews, estava criticando as “notas da comunidade” por, em sua visão, não serem tão eficientes quanto o modelo centralizado em agências. “A nota da comunidade não substitui a checagem dos fatos. Ponto. (…) O fim da checagem de fatos transforma o que é ruim em péssimo”. Resultado: o próprio tuíte foi checado pela comunidade. Mostrando, pelo próprio exemplo, que o sistema de notas da comunidade é superior.
Não houve comentário, obviamente, sobre as próprias organizações Globo possuírem sua autointitulada agência de “checagem de fatos”, a “É fato ou fake?”, que possui bots no Facebook e no Twitter vigiando conteúdos. Ou seja, a empresa faz uma alegação pro domo sua, em defesa de seus próprios interesses.
Para piorar, não pode haver maior ironia do que atacar o sistema de “notas da comunidade” alegando que é preciso ter um sistema centralizado de checagem de fatos para não haver mentiras na rede e as notas da comunidade provarem que você está mentindo.
Na prática, o que está em jogo na disputa pela moderação das redes sociais são dois modelos diferentes.
O modelo utilizado pelas próprias redes desde a primeira eleição de Donald Trump é o das agências de “checagem de fatos”: grandes conglomerados de mídia criam um departamento de “checagem”. Como podem escolher o que checam e o que deixam de checar, todas essas agências só checam inimigos políticos. Assim, a impressão de que se tem é a de que apenas um lado comete erros. Ou “produz fake news”, como virou moda repetir depois que cunharam o termo para explicar como Trump foi eleito em 2016, mesmo tendo toda a mídia contra ele.
Com o poderio dos grandes conglomerados que as financiam, além de muito dinheiro de instituições governamentais e privadas que podem fazer lobby, as agências de checagem rapidamente se atrelaram às próprias redes sociais, onde seu papel, de player político, passa a ser o de censor, removendo conteúdos desagradáveis a um dos espectros políticos (vide o livro de Peter J. Hasson, Os Manipuladores: A guerra do Facebook, Google, Twitter e das Big Techs contra a direita). No exemplo da Globo, é impossível imaginar a agência “É fato ou fake?” investigando se a fala de um jornalista da própria Globo é mentirosa. Uma empresa de jornalismo passa a ser também de censura política.
O outro modelo, implementado por Elon Musk após comprar o Twitter — e renomeá-lo para X — é o das “notas da comunidade”. Ele possui duas vantagens. A primeira é que nem a Rede Globo, nem o Supremo Tribunal Federal e nem a Advocacia-Geral da União gostam do modelo.
A segunda, um pouco menos importante, é o fato de ser um sistema descentralizado, como o Bitcoin, a Wikipedia original ou modelos de avaliação em que os próprios usuários é que dão as notas — do iFood ao Reclame Aqui, do Uber ao Trip Advisor, do Yelp ao Waze, que está dando “notas” para o trânsito das ruas pela própria média dos usuários — todos esses sistemas funcionam porque as notas vêm dos usuários, gente como você e eu. Não há uma autoridade central bilionária determinando o que é bom e o que é ruim conforme seus próprios interesses.
Ou seja: agora, a checagem da veracidade de uma informação não está nas mãos de uma meia dúzia de jornalistas muito bem pagos dentro de uma multinacional transcontinental, checando apenas o que querem — e cometendo muitos erros na checagem, como a pandemia de 2020 não nos deixa mentir. Agora, todos podem checar — bem ao contrário do que afirmou Octávio Guedes, e por isso sua fala foi tratada como falsa, o que nunca ocorria com alguém da Globo, não importando o despautério, com o sistema de “checagem de fatos” controlado por eles próprios.
Poder-se-ia estar comemorando a “democratização” da moderação. O poder dado às pessoas. A vitória de um sistema mais barato e, GloboNews à parte, mais eficiente e mais rápido. O melhor: sem censura. Nada de conteúdo “derrubado” (como viramos especialistas em eufemismos) e contas retidas. Nada de “checagens” que são meras interpretações divergentes — e sem nenhum CPF a ser processado para se exigir o devido processo legal. Mas como comemorar algo bom para a humanidade, quando sua empresa lucra menos com o bem comum, além de perder a capacidade de censurar políticos, jornalistas e cidadãos rivais? Como comemorar um sistema eficiente para se saber a verdade, no qual um burocrata não pode exigir que sumam com determinado conteúdo de que ele pessoalmente desgoste, pedindo que se “use a criatividade”?
Um segundo problema foi sanado. Desde a instituição da censura centralizada, que pretende ser oficializada e estatizada sob o nome fantasia de “regulamentação das redes sociais”, diversos erros foram cometidos pelas tais agências de autointitulado “fact-checking” (como viramos especialistas em termos gourmetizados). Óbvio que, enquanto isso, erros ainda mais grosseiros eram cometidos pela grande mídia, políticos de esquerda, ativistas, pessoas normais de esquerda e André Janones: tudo sob silêncio das tais agências.
Com as agências centralizadas, a impressão de que se tinha nas redes sociais era de que a esquerda era a própria Verdade revelada no Sinai, enquanto a direita era um poço de irracionalismo, fake news, ódio e “desinformação” (como viramos especialistas em termos que nos mandam repetir). O problema é: com as notas da comunidade, com as quais tudo é checado, descobriu-se o contrário. Quem aparece mentindo cada vez que encosta em um teclado são, justamente, os esquerdistas e (surprise, surprise!) a velha mídia e seus jornalistas.
Assim entendemos o segundo motivo, além da censura envergonhada, para testemunharmos políticos, burocratas e agentes da velha mídia defendendo tanto o modelo da “moderação de conteúdo”, das “agências de checagem de fatos” e, claro, da “regulamentação das redes sociais” (como viramos especialistas em palavras longas para censura!). Não é apenas censurar o próximo. Trata-se também de esconder que mentem — seja como loucura ou com método.
O post As Notas da Comunidade revelaram quem de fato mente nas redes sociais apareceu primeiro em Revista Oeste.