Estridência de negacionistas climáticos é sinal de que estamos vencendo, diz cientista sueco

Retrato perto de uma janela

O cientista climático sueco Carlos Matias Cardoso, cofundador do Stockholm Resilience Centre e diretor do Instituto Potsdam para Pesquisa sobre Impacto Climático – Divulgação

Estridência de negacionistas climáticos é sinal de que estamos vencendo, diz cientista sueco
Para Johan Rockström, que pesquisa limites do planeta Terra, movimentos demonstram desespero diante de declínio dos combustíveis fósseis

Johan Rockström não perde seu tempo passando raiva com a atual onda de negacionismo climático, mesmo considerando as forças políticas que a apoiam, como o trumpismo e o bolsonarismo.

“É claro que é muito preocupante, mas será que é pior do que a negação da mudança climática que havia uns 20 ou 30 anos atrás? Não”, sentencia o cientista sueco, que é um dos diretores do Instituto Potsdam para Pesquisa sobre Impacto Climático, na Alemanha.

“Alguns colegas argumentam —e eu tendo a concordar com eles— que a estridência desses movimentos é um sinal de que nós estamos vencendo. Eles são, no fundo, um ato de desespero dos interesses que ainda sustentam a indústria de combustíveis fósseis”, diz ele, lembrando que a transição para energias mais limpas mundo afora está acontecendo de forma acelerada em potências como a China.

Rockström, 58, conversou com a Folha por telefone nesta sexta-feira (24). Na data, o climatologista brasileiro Carlos Nobre passou a integrar o grupo de especialistas Planetary Guardians (guardiões planetários), do qual Rockström também faz parte ao lado de outros nomes importantes da ciência e do conservacionismo, como a primatóloga britânica Jane Goodall. O grupo foi fundado pelo empresário Richard Branson, dono do Grupo Virgin.

O pesquisador sueco tem coordenado os esforços para formular os chamados limites do sistema Terra ou limites planetários —uma lista de indicadores que precisam ficar dentro de níveis aceitáveis para que as sociedades humanas e o resto dos seres vivos possam subsistir com segurança no longo prazo.

Se a má notícia é que já avançamos o sinal amarelo em vários desses limites —a começar pelo clima, pela biodiversidade e pelo ciclo de nutrientes—, os efeitos do cenário estão ficando cada vez mais inegáveis, diz ele.

No ano passado, o sr. e seus colegas publicaram uma atualização dos limites do sistema Terra, levando em conta não apenas limites que fossem seguros para a sobrevivência, mas também que fossem justos. O que motivou essa reformulação?

Um ponto importante é que esse conceito, conforme foi amadurecendo, exigia uma avaliação integrada que colocasse numa mesma “moeda” quantitativa, por assim dizer, tanto os dados trazidos pela ciência natural quanto pelas ciências sociais. Outro ponto essencial é que nós sempre compreendemos que os limites eram, como o próprio nome diz, um teto.

Mas, se existe um teto, também precisa existir um assoalho. Em vez de pensar apenas no máximo dano possível que podemos causar ao sistema Terra, faz sentido pensar num espaço abaixo disso no qual teríamos uma espécie de orçamento. Um orçamento que poderia ser dividido entre todas as pessoas de forma justa, digamos, para que elas levassem vidas dignas.

A publicação do ano passado foi nossa prova de conceito, e agora estamos trabalhando para ampliá-la e abarcar todos os demais limites planetários, já que não usamos a lista completa inicialmente.

Como o sr. passou da sua formação específica, na área de hidrologia e ciência dos solos, para a grande interdisciplinaridade necessária para pensar na interconexão entre os sistemas naturais da Terra?

Foi um processo que começou, de certa maneira, no meu doutorado, quando eu estudei fatores como resiliência ecológica e temas ligados ao clima e à biodiversidade. Fui forçado a ampliar a gama dos meus interesses para entender como funciona a resiliência de um ambiente, as interações que o perpassam e os sistemas de retroalimentação que podem alterá-lo.

Mas é claro que a segunda parte da minha resposta, e a parte mais honesta, é: claro que é impossível compreender tudo isso com a mesma profundidade ao mesmo tempo. Meu papel é, em grande medida, coordenar a colaboração de uma comunidade internacional de pesquisadores que consiga fazer isso em conjunto.

É o que tentamos fazer em Potsdam, por exemplo, com o nosso modelo computacional do funcionamento da vegetação baseado em física, que é o mais avançado do mundo e requer uma infinidade de “inputs” das mais diferentes disciplinas.

Três homens lado a lado com painel com o escrito Planetary Guardians
De esq. para dir., o empresário Richard Branson e os cientista Johan Rockstrom e Carlos Nobre em evento do grupo Planetary Guardians em São Paulo nesta sexta (24) – Divulgação
Politicamente, seria este o pior momento das últimas décadas para a agenda ambiental? A impressão é que a ascensão global da extrema direita conseguiu transformar o negacionismo climático em algo essencial para a identidade de seus membros, e isso tem se espalhado…

Concordo que a situação geopolítica atual é um bocado complexa, com fatores como a Guerra da Ucrânia e o desastre gigantesco em Gaza, que inevitavelmente desviam a atenção da classe política e do público. Trump nos EUA, Bolsonaro no Brasil, o partido [de extrema direita] AfD na Alemanha e movimentos parecidos na Holanda e em outros países são todos preocupantes.

Mas será que a situação é pior do que a negação da mudança climática que havia uns 20 ou 30 anos atrás? Não.

Alguns colegas argumentam —e eu tendo a concordar com eles— que a estridência desses movimentos é um sinal de que nós estamos ganhando a corrida. Eles são, no fundo, um ato de desespero dos interesses que ainda sustentam a indústria de combustíveis fósseis que faz muito barulho num ambiente turbinado pelas redes sociais.

O crescimento das energias renováveis tem acontecido a taxas impressionantes —basta ver a velocidade com que a China tem eletrificado sua frota de veículos, ou os avanços na produção de hidrogênio, os subsídios na casa das centenas de bilhões de dólares para a transição energética nos EUA.

Além disso, as observações diretas do que está acontecendo com o planeta vão acabar se impondo. Veja o que aconteceu no Rio Grande do Sul. Chuvas de 800 milímetros em menos de uma semana estão completamente fora do que se poderia esperar em uma situação normal.

A derrota da proposta para definir uma nova época geológica, o Antropoceno, marcado pelos impactos da ação humana, deixou o sr. muito desapontado? Ou, no fundo, uma declaração oficial sobre isso não importa muito?

Eu fiquei muito desapontado, bastante surpreso e até um pouco chocado. Houve um trabalho sólido ao longo de 15 anos para checar a essa proposta, e eu tinha ficado muito satisfeito com o estabelecimento do início do Antropoceno nos anos 1950, porque esse é o momento em que o nosso impacto cresce de forma exponencial. Aliás, do meu ponto de vista, é uma questão já assentada, está muito bem estabelecida.

Por isso, de um lado, nada muda. Nós vamos continuar a usar o termo, e eu tenho certeza de que em algum momento a ficha vai cair inclusive para os geólogos. Por outro lado, é possível ver um lado positivo nisso, e é algo que vamos defender num estudo que devemos publicar em breve.

O raciocínio que usamos é o seguinte. O Holoceno, que ainda é o nome dado à época geológica em que vivemos, é um estado de equilíbrio, uma fase interglacial [entre eras glaciais] de clima ameno e estável que permitiu o surgimento da civilização que conhecemos.

E o que seria o Antropoceno? Até agora, nós não chegamos a um novo estado. Ainda estamos no Holoceno, de certo modo.

O Antropoceno, até agora, seria uma pressão causada pela ação humana que corre o risco de nos empurrar para um outro estado. Ele seria um estado quente autorreforçado do clima global, que existiu pela última vez na Terra há mais de 60 milhões de anos, quando os dinossauros ainda não tinham sido extintos.

Nesse caso, o extremo conservadorismo adotado pelos geólogos acaba sendo um bom sinal — um sinal de que ainda não chegamos a esse abismo.

Em última instância, mesmo que escapemos da crise climática desenfreada, vai ser possível respeitar os limites planetários sem uma completa redefinição do que significa crescimento econômico?

Por um lado, é uma questão de definição. O desenvolvimento econômico é possível num modelo que respeite os limites do sistema Terra, desde que tenhamos em mente que esse “orçamento” representado por eles é finito.

Por outro lado, sabemos que o crescimento do PIB [Produto Interno Bruto, soma das riquezas de um país], por si só, muitas vezes não é uma medida adequada da qualidade de vida das pessoas. É isso que precisa ser repensado, de uma maneira que ofereça à economia um modelo mais circular de funcionamento [com o máximo reaproveitamento de recursos].

RAIO-X
Johan Rockström, 58

É diretor do Instituto Potsdam para Pesquisa sobre Impacto Climático e cofundador do Stockholm Resilience Centre. Especialista em recursos hídricos, coordenou, em 2009, uma força-tarefa internacional de pesquisadores que estabeleceu uma lista dos limites planetários da Terra.

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