Equipe do atual diretor da PF recebeu relatórios da Abin antes do 8/1, revela Folha

Durante a transição de governo em 2022, a equipe de segurança de Luiz Inácio Lula da Silva, composta majoritariamente por policiais federais e chefiada pelo atual diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, recebeu uma série de relatórios da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

Os documentos, conforme reportagem publicada nesta sexta-feira, 20, pela Folha de S.Paulo, continham informações sobre atos anteriores aos de 8 de janeiro de 2023, como a tentativa de invasão à sede da Polícia Federal em 12 de dezembro de 2022.

Os relatórios da Abin indicavam veículos que rondavam o hotel onde o então presidente eleito estava hospedado, listavam apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro com “potencial perfil agressor” e mencionavam o relato de um homem que se hospedou no mesmo local e tentou acessar o andar onde Lula estava em duas ocasiões. 

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Ou seja, os documentos mostram que havia um monitoramento prévio da Abin sobre manifestantes que representavam riscos à ordem pública. Caso o material tivesse sido adequadamente considerado, o 8 de janeiro poderia ter sido evitado.

Os informes foram elaborados por um grupo de trabalho presidido por Andrei Rodrigues, então chefe da equipe de segurança de Lula.

Até o momento, não era de conhecimento público que a Abin tivesse produzido, no final de 2022, esses relatórios de inteligência, que foram enviados prioritariamente para a equipe de Lula, no âmbito do grupo de trabalho. 

A Agência Brasileira de Inteligência entregou, em dezembro de 2022, três documentos com detalhes sobre os participantes de manifestações e acampamentos
Recorte de relatório da Abin sobre manifestações em frente ao hotel Brasil 21, onde Lula estava hospedado em 2022 | Foto: Reprodução/Folha de S.Paulo

Os documentos a que a Folha teve acesso mostram que os relatórios chegaram até membros da segurança de Lula durante as eleições de 2022. O jornal questionou o encaminhamento dado a esses documentos, mas não obteve resposta. A PF e a Abin não comentaram o assunto.

Chefe da PF de Lula não compartilhou relatórios com as forças de segurança do DF

Em 7 de janeiro de 2023, já como diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues enviou um ofício no qual alertava sobre a possibilidade de atos violentos nos dias seguintes, mas sem detalhar as informações que sustentavam esse prognóstico. 

Em depoimento durante um processo administrativo disciplinar, o chefe da PF afirmou que não encaminhou nenhum relatório detalhado sobre os riscos identificados à Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal e fez apenas uma comunicação verbal na reunião.

O grupo de trabalho, nomeado GT de Inteligência Estratégica, foi criado durante a transição e envolveu membros da Abin e da PF, convidados pela equipe de Rodrigues. Na época, havia já um atrito entre ele e a administração da PF, especialmente com a diretoria de inteligência, sob comando de Alessandro Moretti. 

Nos bastidores, Rodrigues afirmava que não confiava na gestão da PF de Bolsonaro.

Relatórios da Abin monitoraram todo o período de transição

Lula ficou hospedado no hotel Brasil 21 Meliá, no centro de Brasília, durante a transição. Na mesma época, apoiadores de Jair Bolsonaro acampavam em frente ao QG e pediam intervenção militar, enquanto o presidente permanecia em silêncio depois da derrota nas urnas. 

Abin identificou envolvidos em protestos contra Lula muito antes do 8/1
Relatório da Abin mostra carros que rondavam o hotel que Lula estava hospedado em Brasília | Foto: Reprodução/Folha de S.Paulo

Os primeiros protestos e rondas com veículos nas proximidades do hotel em que Lula estava começaram em 5 de dezembro de 2022. Os agentes de inteligência elaboraram três relatórios sobre essas movimentações. A Folha teve acesso a mais de 70 páginas desses informes, que foram compartilhados com membros da PF por WhatsApp.

A primeira versão do relatório da Abin, de 11 de dezembro de 2022, identificou 15 participantes de um protesto realizado em frente ao hotel em 5 de dezembro, supostamente comandado pelo jornalista Oswaldo Eustáquio.

A segunda versão, de 14 de dezembro de 2022, apontou 21 participantes de um protesto em frente ao hotel na madrugada de 12 de dezembro, data da diplomação de Lula no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A segurança do presidente foi reforçada na ocasião. 

Na mesma data, houve uma tentativa de invasão à sede da PF, depois da prisão do cacique Serere Xavante, que havia participado da manifestação em frente ao hotel.

A última versão do relatório é de 31 de dezembro de 2022, véspera da posse de Lula, e descreve o episódio em que uma pessoa tentou acessar o andar onde o petista estava hospedado, mas foi impedida por policiais. O documento também menciona um novo fluxo de pessoas no acampamento em frente ao QG a partir de 29 de dezembro e informa sobre veículos que rondavam o hotel. 

Envolvidos em manifestações contra Lula já haviam sido identificados 

Os documentos da Abin identificaram pessoas presentes em manifestações em frente ao hotel de Lula no início de dezembro, que posteriormente foram reconhecidas como participantes de outros atos em Brasília, como a tentativa de explosão no aeroporto de Brasília, em 24 de dezembro de 2022, e os protestos de 8 de janeiro de 2023.

Um dos monitorados foi Wellington de Souza, condenado por tentar explodir uma bomba no aeroporto, e outro foi o major aposentado Cláudio Santa Cruz, da Polícia Militar do Distrito Federal, líder do acampamento em frente ao QG do Exército em Brasília. Ele foi preso na 9ª fase da Operação Lesa Pátria, em março de 2023.

A Abin também monitorou pelo menos dez carros que circularam pelo Meliá ou tinham vínculo com os acampados no QG. Um desses veículos, uma caminhonete Toyota Hilux branca, esteve várias vezes no entorno do hotel. O líder indígena Serere Xavante estava nesse veículo quando foi preso.

Sererê
O cacique José Acácio Serere Xavante | Foto: Reprodução/Redes sociais

As investigações da Abin também identificaram outro veículo, que pertenceria ao suspeito de realizar um ataque com drone em um ato de Lula em Minas Gerais, em junho de 2022.

O relatório da PF sobre a segurança no 8 de janeiro concluiu que houve uma falha na coordenação do fluxo de informações da Abin. As informações da agência de inteligência, “que eram vitais para a prevenção da invasão”, diz o texto enviado pela PF ao STF, “não chegaram ao conhecimento de todos os responsáveis”.

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