Na Liberdade, um bairro da cidade de São Paulo mais conhecido por abrigar descendentes de japoneses, coreanos e chineses, um templo destoa da paisagem. Trata-se da Catedral Ortodoxa de São Nicolau, o santo que deu origem ao Papai Noel. A construção remonta ao fim da década de 1930 e é uma obra de foragidos soviéticos que buscaram o Brasil para fugir do comunismo.
O pároco local, Constantino Bussyguin, é um dos filhos desses imigrantes. Os avós maternos do padre pertencem à primeira geração de fiéis que construíram a catedral paulistana.
A saída da Rússia, quando o país estava sob o regime comunista, ocorreu para fugir da perseguição religiosa. A catedral paulistana até hoje não está em comunhão com a Igreja Ortodoxa Russa.
“Somos a Igreja Ortodoxa Russa na Diáspora”, explica Bussyguin. “Fomos formados em 1920 com a bênção do patriarca Tikhon para manter a fé ortodoxa para aqueles que estavam deixando a pátria por causa da revolução comunista.”
Sobrevivência da fé
O sacerdote define o comunismo como algo pior do que ateu. “É um regime que combate a fé”, diz. “Ele é anti qualquer fé.”
A luta para se manter na fé separou muito mais que os templos. Os familiares que não conseguiram sair do país não puderam se manter em contato.
“A última carta da mãe do meu avô é de 1930”, conta o padre. “Ela dizia: ‘Estamos mudando de endereço. Quando nos estabelecermos em um novo lugar, avisaremos’. Era um sinal de que seria melhor interromper o contato, pois continuar seria perigoso. Ter parentes no exterior era praticamente um crime para um cidadão soviético. Redescobri os parentes dessa parte da família apenas em 2011.”
‘Vaticano da Diáspora’?
Felipe Andrade, é leitor na Paróquia de São Nicolau. O cargo é similar ao dos ministros da Igreja Católica Apostólica Romana. Os dois ritos têm semelhanças, a Igreja Ortodoxa Russa surgiu de um cisma em Roma por volta do ano 1.000. Contudo, há também muitas diferenças.
Uma delas: não existe um ponto central, como é o Vaticano para os católicos. Mas há uma sede, que atualmente fica em Odessa, na Ucrânia. É a Catedral de São Miguel Arcanjo.
“Não há uma figura considerada infalível, como um papa”, explica Andrade. “Em seu lugar, existe o primaz, que mesmo sendo o sacerdote com o maior poder, é visto como um homem que pode falhar.”
Outra diferença que se destaca: os padres ortodoxos podem se casar, ter família e filhos. Andrade, por exemplo, é noivo de Alexandra, uma das filhas do padre Bussyguin.
Marcas do passado
No passado, a referência era a Catedral Nossa Senhora de Kursk, em Nova York. Por volta de 2008, houve a mudança, quando uma parte dos religiosos da diáspora resolveu retornar à comunhão com a Rússia. Até hoje, a política no país de origem da família de Bussyguin não inspira confiança no sacerdote. “Será que as coisas mudaram mesmo?”, questiona o padre.
O santo que deu origem ao Papai Noel
Um quadro dentro da catedral paulistana expõe a imagem do santo a quem ela é dedicada: São Nicolau. Não é um senhor gordo, com barbas brancas e aquela roupa vermelha com detalhes brancos, como na imagem que ficou famosa com as propagandas de refrigerantes, apesar de essa representação conter signos que remetem ao padroeiro do templo.
São Nicolau era um bispo da Igreja Católica — e a cor vermelha está associada a esse cargo na hierarquia religiosa. Ele viveu na Turquia, no século 3, ou seja, antes do cisma que deu origem à Igreja Russa. Assim, é um santo reconhecido tanto pelos católicos quanto pelos ortodoxos.
Segundo a tradição religiosa, Nicolau dedicou seus bens — e a própria vida — a ajudar os pobres. Entre as histórias acerca do santo, conta-se que, ao saber da situação de três irmãs cujo pai não tinha dinheiro para bancar o dote que lhes garantiria bons casamentos, Nicolau começou a jogar pepitas de ouro pela chaminé da casa das moças. Tudo foi feito no calar da noite, para que ninguém visse a obra de caridade. O presente foi suficiente para que juntassem a quantia necessária para casar.
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