Os olhos de Jack (Matthew Fox) se abrem de repente. Ele se vê deitado na floresta virgem de uma ilha. Levanta-se, corre como se não tivesse rumo. Ao chegar à praia, vê inúmeras pessoas feridas, desoladas, atônitas, em meio a ruínas de um avião fumegante sobre a areia.
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A partir dali, toda a vida de médico consagrado nos Estados Unidos se transforma na de um desbravador da mata. O líder de um grupo na luta para encontrar uma saída. Esse enredo misterioso, que desafia os limites da condição humana, consagrou a série Lost, lançada em 2004, que completou 20 anos em setembro. Pode ser vista na Netflix e na Disney+.
Um dos criadores, J.J. Abrams, se tornou mestre em abordar o ser humano em qualquer circunstância. Criou a suave e romântica série Felicity e o drama policial Alias. Damon Lindelof e Jeffrey Lieber completam o trio que desenvolveu Lost.
A trama se desenrola de forma fascinante, entre a dramaticidade e a esperança. Seus mais de 50 personagens sobreviveram à queda no voo 815 da Ocean Air. Eles sonham em sair daquele terreno inóspito, mas se veem obrigados a tecer relações diárias entre si.
O acidente entrelaçou a vida de cada um. Sem a queda, seria mais uma viagem em que ninguém nem nota a presença do passageiro ao lado.
Protagonistas como o idealista Jack, o arredio James (Josh Holloway) e o solitário Locke (Terry O’Quinn) escancaram suas diferenças naquele labirinto em que convivem até com o sobrenatural.
Com outros personagens, como Charlie Pace (Dominic Monaghan), Kate Austin (Evangeline Lilly), Michael Dawson (Harold Perrineau), Sayid Jarrah (Naveen Andrews) e Ben Linus (Michael Emerson), desenvolvem uma teia de relações e desconfianças.
Cenas que há 20 anos causavam impacto, hoje soam até inocentes, como o tênis preso em um galho para dar dramaticidade à queda. No entanto, Lost serviu como um prenúncio dos acontecimentos de hoje, especialmente com a presença do árabe Sayid, que precisa aparar suas diferenças com a vida no Ocidente.
Todos se deparam com elas. Se veem no conflito entre individualismo e solidariedade. Entre o trabalho em equipe e a luta pela sobrevivência. Diante dos desafios, eles descobrem forças que não sabiam que possuíam. A vida na ilha é, de certo modo, uma grande metáfora do mundo.
Questões da vida cotidiana também aparecem. Manter informações privilegiadas sobre locais secretos e códigos? Ou divulgá-las e correr o risco de prejudicar a todos? O impacto do desconhecido também é um desafio permanente. Pede tempo e paciência até se diluir. O personagem Linus, um dos “Outros”, carrega este limiar entre o bem e o mal.
Da ficção para a realidade. A grande maioria das pessoas do acidente aéreo na Coreia do Sul, neste domingo, 29, não está mais nesta nossa ilha perdida. Elas foram para outro lugar. Sempre que isso ocorre, a vítima acaba se tornando um herói. Uma fonte de inspiração.
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Muitas pessoas se perguntam, deixando de lado aquela indiferença: quem ela era? Estava mais para Jack ou Locke? Qual era a sua maior paixão? Com o que sonhava? Para onde ia? O destino delas as leva a se tornarem símbolos para os que ficam. Ganham perfis em sites e revistas.
Elas mostram algo importante. Neste mundo perdido, aqueles que não estão em guerra, que não enfrentam dramas semelhantes ou viajam em aviões que caem, podem, ao menos, respirar com alívio. Podem até estar enfrentando dificuldades. Mas, ainda assim, têm motivos para agradecer. Pela chance de recomeçar.
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