Túnel do tempo

Já contei parte dessa história. Perto da meia-noite de 31 de dezembro de 1967, saímos em turma do Solar da Fossa, do outro lado do Túnel Novo, para assistir à passagem do ano em Copacabana, ali perto. Era diferente. Não havia shows de artistas nem fogos nem dois milhões de pessoas na praia. Ia-se jogar flores para Iemanjá e brindar ao Ano Novo com alguma coisa.

Às cinco para a meia-noite, os bacanas desciam de smoking dos edifícios na avenida Atlântica. Jogavam suas flores, tomavam champanhe à beira-mar e, à meia-noite e cinco, voltavam para seus apartamentos onde rolavam as festas de verdade, com as deusas do momento e as celebridades internacionais.

Nossa expedição era mais modesta, mas com algo que eles nunca poderiam superar: éramos jovens. Eu tinha 19 anos, era repórter da revista Manchete e morava no Solar, lugar difícil de definir -um ex-convento, de propriedade dos padres, transformado numa espécie de república para atores, compositores, cantores, poetas e jornalistas duros. Já então havia uma lenda sobre o Solar, e com razão.

Nele campeavam a liberdade, o talento, a contestação. Caetano Veloso, um dos moradores, mudara-se pouco antes, para São Paulo, por causa de um programa na Rádio Record.

A ideia era atravessar o túnel a pé e seguir pela avenida Princesa Isabel até a praia. Foi o que fizemos. Não me lembro se essa foi a ideia original ou se apenas calculamos mal, mas, em meio aos 300 metros do túnel, ouvimos os foguetes lá fora. E concluímos: tínhamos entrado nele em 1967 e sairíamos dele em 1968.

Ninguém se importou, e por que se importaria? Era como atravessar o túnel do tempo. Se 1967 já fora um ano de conquistas -as passeatas dos estudantes contra a ditadura, a disseminação da pílula, o começo da revolução sexual, o estouro dos festivais da canção-, 1968 seria melhor ainda. E foi mesmo -só que terminou mais cedo, no dia 13 de dezembro, e muito mal, com o AI-5. Não esperou chegar ao dia 31.
A travessia do túnel foi um marco. Quando se tem 19 anos, há tanto futuro pela frente que o ano que ficou para trás vai disparado para a pré-história.
Leia mais (01/01/2025 – 08h00)

Adicionar aos favoritos o Link permanente.