Estudos comparam desempenho de cotistas e não cotistas no ensino superior

A Universidade de Brasília (UnB) foi a primeira instituição de ensino superior do Brasil a adotar um sistema de cotas, em 2003, quando 20% das vagas foram reservadas para alunos negros. A novidade da exclusividade de vagas para cotistas virou regra alguns anos depois. 

Desde 2012, todas as universidades federais são obrigadas a reservar metade das vagas a alunos pretos, pardos, indígenas, de baixa renda e vindos de escolas públicas. Atualizada em 2023, a lei passou a incluir alunos com deficiência. 

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Um dos argumentos mais usados para defender o sistema de cotas é que não existem diferenças de desempenho entre cotistas e não cotistas. Entretanto, há dados que contradizem essa afirmação, incluindo estudos recentes. 

A maioria dos dados publicados entre 2023 e 2024 aponta diferenças de desempenho entre alunos que entraram na faculdade por cotas e os demais. Uma apuração do jornal Gazeta do Povo resumiu cinco estudos recentes sobre o tema. Veja a seguir:

Universidade Federal de Viçosa (UFV)

Um levantamento publicado em 2023 na revista Educação e Pesquisa, da Universidade de São Paulo (USP), considerou o índice de reprovação de estudantes da UFV, no Campus Rio Paranaíba, entre 2016 e 2020. O resultado mostra que, em média, os cotistas foram reprovados em 5,37 disciplinas, ante 4,62 dos alunos não cotistas.


A UFV tem quatro modalidades de cotas. Todas elas beneficiam alunos de escolas públicas. 

O maior índice de reprovação foi o dos alunos da modalidade 1, que abrange estudantes autodeclarados pretos, pardos ou indígenas, com renda familiar bruta mensal igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita. Nesse grupo, cada aluno teve 5,99 reprovações, em média. O desempenho foi 1,37 acima dos estudantes não cotistas. 

Na modalidade 2, referente aos não pretos, pardos ou indígenas, mas com renda familiar igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita, a média de reprovações foi de 5,44. 

Já na modalidade 3, composta de pretos, pardos ou indígenas com renda mensal familiar superior a 1,5 salário mínimo per capita, o índice foi de 5,42.

As universidades federais do Brasil são obrigadas a reservar metade das vagas para ações afirmativas
Universidade Federal de Viçosa | Foto: CCS/UFV

Na modalidade 4, de alunos que não se autodeclaram pretos, pardos ou indígenas e têm renda mensal familiar superior a 1,5 salário mínimo per capita, houve 4,62 reprovações por estudante, em média. O desempenho fica só 0,2 abaixo dos alunos oriundos do sistema universal.

No Coeficiente de Rendimento Acadêmico (CRA), que leva em conta as notas dos estudantes em cada disciplina, os cotistas da UFV tiveram desempenho ligeiramente inferior aos egressos do sistema universal (52,3 contra 53,7). Mas a média dos cotistas é puxada para cima pelos alunos do grupo 4, que tiveram um CRA de 54,3. Os índices dos cotistas dos grupos 1, 2 e 3 foram mais baixos: 51,9, 51,2 e 51,7, respectivamente.


Universidade Federal de Goiás (UFG)

Parte de uma dissertação de mestrado em administração pública, esse levantamento analisou o desempenho de mais de 11 mil alunos da UFG. O estudo conclui que a Média Global do Estudante, avaliada de 0 a 10, foi de 7,07 para os cotistas e 7,44 para os não cotistas. 

A diferença entre os dois grupos também aumentou com o tempo. Foi de 0,16 ponto em 2016 para 0,28 em 2019 e 0,49 em 2022.

O estudo mostra que, dentro de cada categoria racial, a diferença entre cotistas e não cotistas persiste. Entre os brancos, os cotistas tiveram um CRA de 7,28, contra 7,52 dos não cotistas. Entre pretos, pardos e indígenas, os cotistas ficaram com 6,98, enquanto os não cotistas tiveram média de 7,31. 


Especificamente no curso de nutrição da UFG, um estudo avaliou a trajetória de 1,05 mil estudantes entre 2009 e 2021. De forma agregada, os alunos de cotas apresentaram média de 7,6, ante 7,76 dos não cotistas. 

Em todos os 18 períodos acadêmicos, os alunos que ingressaram por meio de ações afirmativas tiveram uma nota média inferior à dos alunos oriundos do sistema universal.

“Os resultados apontaram que os estudantes de ações afirmativas apresentaram desempenho inferior aos de ampla concorrência, necessitam de mais tempo para a graduação e possuem maior número de reprovações”, diz a autora, Roseane Maria Vogado Rodrigues. O artigo foi publicado na revista Contribuciones a Las Ciencias Sociales

Levantamento analisou o desempenho de mais de 11 mil alunos da UFG
Campus Samambaia da UFG | Foto: Divulgação/UFG

Universidade Estadual Paulista (Unesp) Botucatu

Um estudo publicado em 2024 na Revista Brasileira de Educação Médica colocou em perspectiva o desempenho dos alunos do curso de medicina da Unesp de Botucatu. O artigo mostra que o coeficiente de rendimento médio dos alunos que ingressaram pelo sistema universal foi de 8,45 pontos. Já entre os alunos cotistas, o índice foi de 8,31.

Dentro dos grupos que entraram na faculdade por cotas, os alunos vindos de escolas públicas tiveram desempenho igual ao de alunos do sistema de ingresso universal: 8,37 pontos. Já a nota dos alunos que ingressaram por cotas raciais foi menor, de 8,1 pontos.

Estudo publicado em 2024 na Revista Brasileira de Educação Médica colocou em perspectiva o desempenho dos alunos do curso de Medicina da UNESP de Botucatu
UNESP Botucatu | Foto: Raphael Henrique Figueira/Wikimedia Commons

Medicina na Universidade de Brasília (UnB)

Em cursos muito concorridos, a diferença tende a não ser tão elevada — ou mesmo a desaparecer, já que os alunos que entraram por cotas também obtiveram notas altas no vestibular. Uma pesquisa feita entre alunos de medicina da UnB concluiu que algumas modalidades de cotas têm até mesmo um desempenho maior do que os alunos que ingressaram pelo sistema universal. 

Ainda assim, os alunos que vieram de escolas públicas, são de baixa renda e se identificam como pretos, pardos ou indígenas apresentaram um Índice de Rendimento Acadêmico (IRA) ligeiramente menor que os estudantes que ingressaram pelo sistema universal: 4,11 ante 4,17. No curso de medicina da UnB, a maior discrepância é entre os indígenas, com IRA de 3,38, e os demais estudantes. 

O estudo foi publicado na revista Educação, Raça, Gênero e Diversidade Sexual.

Debate sobre desempenho dos cotistas é antigo

O debate sobre a eficácia do sistema de cotas e a diferença de desempenho entre cotistas e não cotistas é antigo. Nas pesquisas citadas acima, os próprios autores minimizam a diferença encontrada. 

Em 2014, uma dissertação de mestrado em economia na Fundação Getulio Vargas analisou as notas do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) de 2008 e 2011. O estudo não analisou as notas individuais, mas comparou cursos que tinham sistema de cotas com os que não tinham. Na média, os cursos com ações afirmativas tiveram nota 4,6% mais baixa do que os com seleção de alunos apenas por mérito.


A autora, Talita de Moraes Gonçalves Silva, concluiu que “os alunos que ingressaram nas instituições de ensino superior (IES) por ações afirmativas (AA) apresentam, em média, desempenho menor que os alunos que não são beneficiados”.

Em 2024, o Congresso Nacional também renovou por mais dez anos a lei que criou cotas raciais nos concursos públicos, além de aumentar de 20% para 30% o número de vagas reservadas a negros, pardos e, agora, indígenas e quilombolas. Na Câmara, a proposta teve 241 votos a favor e 94 contrários.

No mesmo ano, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que as universidades não podem usar a raça como um critério de admissão dos alunos.

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