Aos 17 anos, Antônio Gabriel dos Santos tinha perfis de memes no Twitter/X. Agora aos 21, ele está envolvido em um processo judicial que pode resultar em prisão. O motivo são os memes que ele postou quando era adolescente. O caso está em investigação, atualmente na fase de inquérito policial.
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O juiz ainda não acatou a denúncia, mas a promotoria, sim, explica Rhuan Bastos, advogado do rapaz. Todas as acusações se baseiam em postagens feitas de 2020 a 2022 — e aqui começam as estranhezas do processo. O caso foi encaminhado à Vara Criminal, embora, por se tratar de uma pessoa que ainda era menor na época das postagens, devesse ser tratado pela Vara de Infância e Juventude.
Entre os conteúdos investigados, destacam-se retuítes que Antônio fez de memes considerados preconceituosos. Em uma publicação, ele opinava ser contrário à participação de uma mulher trans no vôlei feminino.
Uma advogada do Espírito Santo é a autora da denúncia. Elisângela Medeiros denunciou o rapaz por “crime de preconceito, raça ou cor”. O processo, portanto, está baseado na Lei de Racismo, que agora também inclui a LGBTfobia, devido a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
O processo definitivamente deveria estar na Vara de Infância e Juventude, mas não só isso, diz Bastos. “Ele devia estar na Justiça Federal.”
A investigação corre pela Justiça do Distrito Federal. De acordo com o advogado, declarações consideradas racistas, quando feitas on-line, ganham caráter de transnacionalidade, dado que a publicação pode alcançar pessoas de outros países. Por sair do território nacional e potencialmente atingir estrangeiros, processos do tipo são competência da Justiça Federal.
Rede social divulgou informações indevidamente, diz advogado
Outro ponto controverso envolve a investigação das postagens, que inclui dados fornecidos pelo Twitter/X sem nenhuma ordem judicial formal, afirma o advogado. De acordo com ele, constam no processo trocas de e-mails entre a polícia e a rede social, uma irregularidade que contradiz o Marco Civil da Internet, segundo o qual a retirada de conteúdos e o fornecimento de dados de usuários só poderiam ocorrer por ordem determinação da Justiça.
As ressalvas do Marco Civil serviriam para resguardar os brasileiros de censura, segundo Rhuan Bastos. “A Constituição vela por isso, só que não está muito em prática”, diz ele a Oeste. Vazamentos de informações semelhantes foram muito comentados por Elon Musk no que ficou conhecido como Twitter Files.
Apesar do compartilhamento além do permitido das informações de usuários, ainda assim Antônio recebeu a culpa por publicações que não eram suas. Constam no processo postagens de múltiplos perfis no Twitter/X, mas só dois pertenciam a ele, de acordo com o advogado.
Como nenhuma das contas do rapaz tinha nome nem foto de uma pessoa, a investigação primeiro precisou ir atrás de por quais discursos responsabilizá-lo.
Jovem que repostou memes enfrenta dificuldades decorrentes do processo
A situação financeira de Antônio piorou durante o processo. Parte de uma família de classe baixa e em meio a dificuldades financeiras, ele depende da renda obtida com as redes sociais, mas perdeu todos os patrocinadores devido à repercussão negativa do caso. A mãe dele chegou a proibi-lo de acessar a internet e instalou câmeras no quarto dele para monitorá-lo.
“Ele faz faculdade”, diz Rhuan Bastos, que chegou a trabalhar de graça para o rapaz. “Ele não consegue trabalhar e, agora, ele tem que pagar um advogado.”
Além disso, a avó do jovem, que mora na Itália, foi intimada a depor no processo. Não apenas ela, mas outros familiares precisam depor presencialmente. Antônio e sua mãe, porém, moram em Goiás, enquanto as oitivas são em Brasília. Assim, ou a família gasta com viagens para depor, ou o rapaz será preso, diz o advogado.
Antônio também enfrenta problemas de saúde. Ele tem uma deficiência bucomaxilar, o que exige tratamento médico especializado, mas sua situação financeira o impede de receber os cuidados necessários. A falta de recursos também tem dificultado pagar um advogado para acompanhá-lo no processo em Brasília.
“Ele não consegue se tratar, porque ele não tem dinheiro, e agora ele tem que responder um processo desse, porque ele dava RT em meme”, lamentou o advogado. A Justiça, diz ele, “virou uma loucura”.
O post Tráfico, latrocínio ou… meme? Justiça investiga postagens feitas por menor de idade apareceu primeiro em Revista Oeste.