A Associação Brasileira dos Magistrados da Infância e da Juventude (ABRAMINJ) divulgou uma nota técnica nesta sexta-feira, 10, em que manifesta sua posição contrária à Resolução nº 258/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que libera a prática do aborto em crianças e adolescentes sem a necessidade da presença e autorização dos pais.
Segundo os magistrados, a norma extrapola sua competência ao permitir que crianças e adolescentes solicitem a interrupção da gestação sem a necessidade de representação legal e sem qualquer controle judicial.
A entidade classifica a medida como “ilegal e inconstitucional” e argumenta que fere o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código Civil, ao violar o princípio da proteção integral da criança e do adolescente e desconsiderar a necessidade de assistência de pais ou responsáveis em decisões desta magnitude.
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O documento destaca que “todas as crianças e adolescentes são impedidos de exercer atos da vida civil sem representação ou assistência”, conforme estabelecido nos artigos 3º e 4º do Código Civil.
Além disso, menciona que o artigo 142 do ECA é categórico ao determinar que “os menores de dezesseis anos serão representados e os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos assistidos por seus pais, tutores ou curadores”.
Um dos pontos mais criticados pelos magistrados é a ausência de previsão de participação do Poder Judiciário nos casos de aborto em crianças e adolescentes. A nota afirma que a resolução “deseja criar uma causa de cessação da incapacidade absoluta e também da relativa, permitindo à criança e à adolescente sem representação ou assistência o exercício de ato da vida civil”.
Segundo os juízes, a disposição contraria a legislação vigente, que prevê a nomeação de um curador especial sempre que houver conflito de interesses entre a criança e seus responsáveis legais.
“A autoridade judiciária dará curador especial à criança ou adolescente, sempre que os interesses destes colidirem com os de seus pais ou responsável”, destaca o documento, ao citar o artigo 142 do ECA e o artigo 1.692 do Código Civil.
Outro aspecto abordado pela nota técnica é o que os magistrados chamam de “informação parcial” sobre as opções disponíveis para crianças e adolescentes grávidas. A resolução prioriza o acesso à interrupção da gestação nos casos previstos em lei, mas, segundo a ABRAMINJ, não menciona alternativas como a entrega legal para adoção.
O documento critica esta abordagem e argumenta que o direito fundamental à informação “deve ser respeitado integralmente, porque a informação parcial mais se assemelha à indução, mormente quando prestada para criança ou adolescente absolutamente desacompanhada de representante legal ou de pessoa de sua confiança”.
A associação também questiona a ausência de exigência de comunicação ao Ministério Público e ao Poder Judiciário nos casos em que crianças e adolescentes buscam a interrupção da gestação sem a presença de responsáveis legais.
O documento afirma que “o Ministério Público somente será acionado se não houver Conselho Tutelar na localidade”, o que, segundo os magistrados, configura uma restrição indevida à atuação do sistema de justiça na proteção dos direitos dos menores de idade.
Diante das críticas, a ABRAMINJ conclui que a Resolução nº 258/2024 “invade a competência legislativa da União” e fere normas fundamentais de proteção à criança e ao adolescente. Os magistrados pedem a revogação da norma e a abertura de um debate mais amplo sobre o tema, que garanta a participação do Poder Judiciário.
Juristas catarinenses criticam resolução do aborto
Em nota publicada também nesta sexta-feira, 10, o Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e do Adolescente da Universidade Federal de Santa Catarina (NEJUSCA/UFSC) também se manifestou contrário à Resolução nº 258/2024.
A entidade alega que a norma fere princípios constitucionais, desrespeita o direito à vida e impõe restrições indevidas à decisão das famílias em casos de gravidez de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.
O documento classifica a resolução como uma “ilegalidade e flagrante inconstitucionalidade” e alerta para o que considera “aberrações jurídicas que se contrapõem de forma evidente, extrema e absurda à Doutrina da Proteção Integral”.
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O NEJUSCA também critica o encaminhamento direto de adolescentes grávidas para “serviços abortivos”, sem a necessidade de consentimento dos pais ou responsáveis legais. O órgão considera a medida uma violação dos direitos da criança e do adolescente, pois estes são impedidos de exercer atos da vida civil sem representação ou assistência.
O núcleo também recorda que a Resolução nº 258/2024 desconsidera o direito das gestantes de serem informadas sobre alternativas como a entrega legal para adoção e menciona que a norma considera esta opção como uma forma de violência psicológica.
Outro ponto de forte contestação na nota é a autorização para abortos em gestações avançadas, acima das 22 semanas, o que, segundo o documento, representa uma violação ao direito à vida garantido pela Constituição Federal.
“O caput do art. 5º da Constituição Federal afirma a inviolabilidade do direito à vida sem distinção de qualquer natureza como um direito fundamental da pessoa humana, tornando óbvia a não-distinção entre o valor da vida da criança já nascida e da criança intrauterina em fase embrionária ou fetal”, afirma o NEJUSCA.
Além disso, o núcleo argumenta que o Brasil, ao ser signatário do Pacto de San José de Costa Rica desde 1992, ratificou o entendimento de que “a vida se inicia desde a concepção e nenhuma vida pode ser desrespeitada de forma arbitrária”.
O documento também questiona a forma como a resolução trata o aborto dentro do ordenamento jurídico brasileiro. De acordo com o NEJUSCA, o artigo 128 do Código Penal não reconhece o aborto como um direito, mas sim como uma “excludente de punibilidade”, ou seja, uma hipótese em que o aborto não é penalizado, mas segue considerado crime.
“O que existe são hipóteses de excludente de punibilidade, em que a conduta do aborto não é punida, mas continua sendo considerada crime segundo os moldes legais”, reforça a nota, que cita os casos de anencefalia fetal, gestação em decorrência de estupro e risco de morte para a gestante.
O núcleo também enfatiza que a legislação brasileira já prevê a assistência adequada para adolescentes grávidas, como o artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece que “a mãe adolescente será atendida por equipe especializada e multidisciplinar, bem como autoriza a entrega legal para adoção”.
O NEJUSCA argumenta que o objetivo não é forçar adolescentes vítimas de violência sexual a manterem a gestação, mas sim garantir que tenham plena liberdade de escolha, como a possibilidade de dar continuidade à gravidez com apoio do Estado e da sociedade.
Diante destes pontos, o NEJUSCA reafirma sua posição em defesa da vida e da dignidade da criança “desde seu primeiro milésimo de segundo desde a concepção” e da liberdade de consentimento das mães adolescentes e suas famílias.
O núcleo ressalta a urgência de assistência ampliada a essas gestantes dentro dos moldes constitucionais e estatutários, que garanta que nenhuma criança ou adolescente fique desassistida ou abandonada pelo Estado.
“É urgente apoiar as mulheres, meninas e adolescentes apresentando-lhes amplas alternativas de assistência, de acordo com os moldes legais em consonância à Constituição Federal e às diretrizes estatutárias”, argumenta o documento.
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