Laudo desafia Incra e define fazenda da família Bettim como ‘grande propriedade produtiva’

Um laudo elaborado pela Secretaria de Agricultura do município de São Mateus (ES) definiu que a fazenda da família Bettim é altamente produtiva. Há 15 anos, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) do Estado move um processo de desapropriação, sob a alegação de que as terras são improdutivas.

Em 18 de dezembro, a Justiça do Espírito Santo determinou que a família deve sair da própria fazenda até o dia 13 de fevereiro. A equipe de Oeste cobre o caso com exclusividade desde junho de 2024 e teve acesso ao laudo elaborado pela secretaria.

Leia mais sobre o caso Bettim em “Propriedade violada”, reportagem de Anderson Scardoelli e Isabela Jordão para a Edição 252 da Revista Oeste

O gabinete do deputado estadual Lucas Polese (PL-ES) solicitou uma nova perícia por meio de um requerimento enviado à prefeitura. O engenheiro-agrônomo independente Geraldo Antônio Fereguetti, que assina o laudo, visitou a propriedade dos Bettim em 16 de janeiro.



Divisão da propriedade e argumentos do Incra

No documento, Fereguetti afirma que os procedimentos aplicados pelos técnicos do Incra foram inadequados. Ele ressalta a necessidade de uma revisão da conclusão apresentada pelo órgão governamental nos laudos elaborados em 2009 e 2017.

Ele também explica que a área, de 563,9 hectares, dos Bettim é dividida em seis propriedades, com diferentes donos.

Divisão das terras da família Bettim | Foto: Reprodção
Divisão das terras da família Bettim | Foto: Divulgação/Secretaria de Agricultura de São Mateus

As fazendas também têm registros diferentes. No processo movido pelo Incra, a entidade desconsidera a divisão realizada pelos herdeiros e considera a propriedade dos Bettim como uma única fazenda.

Segundo o engenheiro-agrônomo, o problema está nas divergências na base de cálculo usada para avaliar propriedades. De acordo com ele, isso se dá especialmente nas áreas destinadas ao uso e à exploração da terra.

Essas áreas são essenciais para determinar o Grau de Utilização da Terra (GUT) e o Grau de Eficiência de Exploração (GEE). Esses indicadores definem a produtividade de uma propriedade.

Embora mudanças tenham sido feitas na base de cálculo, os ajustes necessários não foram implantados de forma adequada.

Um ponto significativo do processo foi o desmembramento de uma área de 157,3 hectares, classificada como produtiva. Essa área está registrada sob a Matrícula n° 18.427 e pertence a dois irmãos da mesma família.

“A justificativa apresentada pelos técnicos do Incra para essa decisão foi
pouco clara”, afirma Fereguetti. “Embora se esperasse que, com a exclusão dessa gleba, os cálculos dos índices fossem devidamente revisados, isso só ocorreu em 2017, vários anos após a mudança.”

Segundo Fereguetti, o processo também possui um problema legal. Depois do desmembramento da área, cada produtor receberá aproximadamente três módulos fiscais, classificando-se como pequena propriedade.

Contudo, essa classificação apresenta uma contradição crítica. A legislação de crédito rural brasileira proíbe alienar pequenas propriedades como garantia de financiamentos e usar a única residência como garantia.

No caso descrito, todos os proprietários residem nos imóveis e seriam desalojados, o que significaria que o Incra estaria descumprindo as principais recomendações do crédito rural.

Localização geográfica e características da fazenda dos Bettim

No processo, o Incra usa, como base, um laudo elaborado em 2017. O documento foi feito logo depois de uma grave seca no norte do Espírito Santo (2014-2016), quando as chuvas ficaram muito abaixo da média. Esse cenário prejudicou a produção agrícola e resultou em um GEE artificialmente baixo.

Segundo Fereguetti, a crise hídrica, que levou produtores a pedirem prorrogação de financiamentos e teve grande repercussão na mídia, mostra que o período em que o laudo foi feito foi excepcional. Dessa forma, conforme o perito, gera dúvidas sobre sua validade para representar a realidade atual.

Imagem mostra localização da fazenda Bettim em relação aos recursos hídricos da região | Foto: Reprodução
Imagem mostra localização da Fazenda Bettim em relação aos recursos hídricos da região | Foto: Divulgação/Secretaria de Agricultura de São Mateus

O laudo de 2017 do Incra também desconsidera as características naturais da região da Fazenda Bettim, que é seca, possui poucos rios e tem formações geológicas que dificultam a formação de nascentes.

A produção de café e pimenta-do-reino, feita em pequena escala, só ocorre graças às barragens construídas pelos proprietários, limitando a expansão dessas culturas.

Para Fereguetti, a defasagem temporal, o clima atípico e as condições geográficas tornam o laudo do Incra inadequado para retratar a realidade da Fazenda Bettim.

Lavouras e criação de gado

Nas propriedades dos Bettim, são produzidos café e pimenta-do-reino. Além disso, há a prática de pecuária, com um rebanho de 447 cabeças de gado, sendo 53 machos, 236 vacas leiteiras e o restante formado por animais de 0 a 3 anos de idade.

O rebanho dos Bettim ocupa 102,99 hectares de pastagens formadas e 183,99 hectares de pastagens em terrenos declivosos, distribuídos nas seis fazendas da família.

De acordo com a análise do engenheiro-agrônomo, as lavouras de café conilion utilizam alta tecnologia, com clones de alta produtividade (A1, K61, 02, entre outros) e plantio adensado no espaçamento de 3,3 x 0,75 m.

As plantações recebem cuidados regulares, como podas, adubações de solo e foliares, controle de plantas daninhas e outros manejos que garantem um ótimo padrão de cultivo. Durante a visita realizada em 16 de janeiro, foi estimada uma produção entre 85 e 95 sacas de 60 kg por hectare.

Índices da produção da propriedade dos Bettim | Foto: Reprodução
Índices da produção da propriedade dos Bettim | Foto: Divulgação/Secretaria de Agricultura de São Mateus

A produção de café conilon está distribuída entre as propriedades dos Bettim. As fazendas Lagoa, Dois Irmãos e Boa Vista possuem uma área cultivada de 11,92 hectares, enquanto as fazendas Pedra Azul, Lagoa Azul e Terra Fresca somam 16,97 hectares.

Já as lavouras de pimenta-do-reino ocupam 2,56 hectares, distribuídos pelas seis propriedades, e seguem um pacote tecnológico de qualidade. No entanto, enfrentam desafios como a fusariose (ou podridão do pé), uma doença causada pelo fungo Fusarium solani. De acordo com Fereguetti, essa doença, ainda sem controle eficaz, tem causado sérios prejuízos à cultura no Espírito Santo.

Capacidade de utilização das áreas sob diretrizes do Incra

O engenheiro-agrônomo também avaliou a capacidade de uso do solo nos 563 hectares da propriedade. Desses…

  • 138,13 hectares são terras em boas condições de conservação;
  • 186,73 hectares são áreas destinadas a pastagens ou florestas com restrições severas de uso; e
  • 238,14 hectares são inadequados para cultivo, pastagem ou exploração florestal, podendo ser utilizados apenas para abrigo da fauna silvestre ou atividades recreativas.

Toda a propriedade foi classificada como “Vicinal I”, indicando boa conservação do solo, acesso limitado a centros de referência e condições permanentes de tráfego ao longo do ano.

O documento explica que a nota agronômica é um índice técnico usado para avaliar propriedades rurais, considerando aspectos como qualidade do solo, manejo agrícola, produtividade, sustentabilidade e outros fatores que afetam o potencial e a viabilidade da terra.

O laudo de agora também indica, teoricamente, o porcentual da área com plena capacidade produtiva e acesso competitivo ao mercado. No caso da Fazenda Betim, apenas 39% da área deveria ser considerada utilizável para agricultura.

Nota agronômica da fazenda dos Bettim | Foto: Reprodução
Nota agronômica da fazenda dos Bettim | Foto: Divulgação/Secretaria de Agricultura de São Mateus

O GEE mede a eficiência do uso produtivo da terra em propriedades rurais, avaliando se as áreas estão sendo utilizadas de forma produtiva, seguindo critérios técnicos, econômicos, sociais e ambientais. Para uma propriedade ser considerada produtiva, o GEE deve ser igual ou superior a 100%.

Nas fazendas Lagoa, Dois Irmãos e Boa Vista, o GEE foi de 304,7%, enquanto nas fazendas Lagoa Azul, Pedra Azul e Terra Fresca foi de 117,1%. Considerando todas as áreas cultivadas, o índice total foi de 193,9%. Já para a pecuária, o GEE total foi de 166,06% e, ao somar pecuária e agricultura, o índice geral foi de 168,78%.

O GUT, que mede a proporção da área efetivamente utilizada em relação à área disponível, foi de 96,98% nas fazendas Lagoa, Dois Irmãos e Boa Vista, e de 100% nas fazendas Pedra Azul, Lagoa Azul e Terra Fresca, resultando em um GUT total de 98,85% para todas as propriedades.

O GUT é um indicador do Incra que avalia se a área agricultável está sendo usada de forma eficiente, de acordo com seu potencial e plano de uso. Para ser considerada produtiva, a propriedade deve ter um GEE maior ou igual a 100% e um GUT mínimo de 80%.

Grau de Utilização da Terra (GUT) das fazendas dos Bettim | Foto: Reprodução
Grau de Utilização da Terra (GUT) das fazendas dos Bettim | Foto: Divulgação/Secretaria de Agricultura de São Mateus

As fazendas Lagoa e Boavista possuem 8,3 módulos fiscais, sendo classificadas como média propriedade. Já as fazendas Pedra Azul, Lagoa Azul e Terra Fresca têm 19,85 módulos fiscais, sendo grandes propriedades. Assim, todo conjunto de terras dos Bettim foi classificado como grande propriedade.

Na página 19, Fereguetti classifica a fazenda dos Bettim como uma “grande propriedade produtiva”. Avaliação que contraria os laudos do Incra, que a consideram improdutiva.

Em relatório, engenheiro agrônomo classifica a fazenda dos Bettim como grande propriedade produtiva | Foto: Reprodução
Em relatório, engenheiro-agrônomo classifica a fazenda dos Bettim como grande propriedade produtiva | Foto: Divulgação/Secretaria de Agricultura de São Mateus

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