A frase era algo mais ou menos como isto: “Enquanto não pormos um limite nos abusos de X, Y e Z, não há futuro próximo”. O verbo da oração iniciada por “enquanto” (subordinada) denota uma ação ainda não realizada, dependente de outra, portanto deveria estar no modo subjuntivo, ou seja, “enquanto não pusermos um limite […], não haverá futuro próximo”. O deslize foi percebido e o termo foi alterado, na versão online do texto, para “colocarmos”: “enquanto não colocarmos um limite”.
A substituição corrigiu o problema sem corrigir o português. Explico, ou melhor, pergunto: por que não “pusermos”? Penso que trocar “pormos” por “pusermos” denunciaria mais facilmente o erro gramatical; a substituição de uma palavra por outra pode ser mero capricho estilístico. Há tempos vejo essa estratégia de correção gramatical na imprensa. De todo modo, a mudança resultou numa construção correta à luz da norma-padrão.
Convém lembrar que, diferentemente de “colocar”, o verbo “pôr” é irregular. Quando se trata de verbos regulares, há coincidência formal entre as formas de futuro do subjuntivo e as de infinitivo pessoal (ou flexionado): “enquanto não colocarmos (subjuntivo)” e “adornos para colocarmos na cabeça (infinitivo pessoal)”. Com o verbo “pôr”, teríamos isto: “enquanto não pusermos (subjuntivo)” e “adornos para pormos na cabeça (infinitivo pessoal)”. Aí está o motivo da confusão.
No debate, surgiu, naturalmente, a questão da possível tendência à regularização dos verbos, da qual o caso seria um exemplo. Nesse ponto, vale observar que essa tendência parece mais justificável nos verbos derivados dos irregulares, que, por vezes, não são percebidos como tais. Veja-se o caso de “intervir”, tantas vezes conjugado, no pretérito perfeito, como “interviu” em vez de “interveio”. Nesse caso, o falante parece flexionar “intervir” como faz com os verbos regulares (partir/ partiu, sair/saiu, intervir/interviu*), ignorando o fato de “intervir” ser derivado de “vir” e de este ser um verbo irregular. Muito mais raro é alguém conjugar “vir” como “viu” no passado ? até porque “viu” é o pretérito perfeito de “ver”. (Raro também é alguém conjugar corretamente o futuro do subjuntivo de “ver”: “quando eu o vir“.)
Leia mais (01/28/2025 – 10h00)