“A liberdade é mais importante que o pão”, teria dito Nelson Rodrigues em algum momento de sua vida. Não há fontes para tal citação, mas, seja em uma palestra ou em uma conversa de bar, consigo vislumbrar perfeitamente essa frase em sua boca. Entretanto, para todos os efeitos, essa é uma sentença emblemática que carrega uma verdade profunda, tão profunda que se torna pouco evidente se não cavoucarmos seu sentido factual.
Por exemplo, segundo o Our World in Data (vide gráfico abaixo), a extrema pobreza mundial caiu absurdamente desde o início da coleta dos dados sobre a miséria, em 1820. Isto é, momento quando a Revolução Industrial se estabeleceu como modelo de produção em massa no mundo, e trouxe a reboque conceitos novos de liberdade econômica, política e cultural.
![liberdade pão gráfico 1](https://medias.revistaoeste.com/wp-content/uploads/2025/02/liberdade-pao-grafico-1.jpg)
Não à toa, a dita “democracia liberal” (vide outro gráfico abaixo), aquela que protege as liberdades básicas dos indivíduos ante os avanços do Estado, começou a ser notada e a crescer, segundo os mostradores do mesmo Our World in Data, por volta de 1850, 30 anos depois do início da queda da miséria global e do avanço acentuado do modelo de livre mercado na Europa e, posteriormente, em outros cantos do mundo. Ou seja, a liberdade econômica e política está diretamente ligada à queda da extrema pobreza no mundo.
![liberdade pão gráfico 2](https://medias.revistaoeste.com/wp-content/uploads/2025/02/liberdade-pao-grafico-2.jpg)
Nesse sentido, quando falamos de acesso a riquezas e bens, sejam de consumo imediato, como alimentos e vestuários, seja de bens imobiliários e materiais de outra espécie, de fato, a liberdade parece ser mais importante que o pão. De forma geral, é ela que garante acesso facilitado ao pão, ao leite, à roupa etc.
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Não é fácil, todavia, ensinar isso a todos, pois não é uma realidade tão evidente assim, principalmente para os países protecionistas como o nosso, que sempre mantiveram uma liberdade econômica sob coleiras e correntes, a fim de que a miséria não se alastrasse a ponto da revolta popular, mas não entregasse toda sua potencialidade por motivos ideológicos. A liberdade, infelizmente, quase sempre é entendida como um bem abstrato, fugidio, enquanto que o pão é um bem material, factível. Assim, o Estado, materializado no governo e sua retórica, utiliza de suas mãos assistencialistas para duas coisas: dar o pão a fim de garantir fidelidade, e retirar dinheiro por meio de impostos incontestáveis.
Conceito de liberdade
![Cartão do Bolsa Família](https://medias.revistaoeste.com/wp-content/uploads/2024/11/Bolsa-Familia.jpg)
É mais fácil enxergar que Lula e seu Bolsa Família garantiram o pão na casa do pobre, do que mostrar que o sistema de redistribuição de renda não tem como funcionar a longo prazo, que o Estado, interferindo na livre troca do mercado, acaba envenenando o processo econômico e que, mais cedo ou mais tarde, o próprio pobre será afetado por essa intervenção.
O seu salário mínimo muito provavelmente não será corrigido na medida da inflação gerada, os bens de consumo — os alimentícios, em primeira ordem — serão afetados por essa mesma inflação crescente, e ele, no fim, pagará tudo mais caro, tendo sempre menos dinheiro no seu bolso e coisas em sua dispensa. Como disse Aleksandr Soljenítsin em uma palestra em Harvard, em 1978: “O Estado mente, e todos sabemos que mente. Mas, como estamos sendo forçados a participar da mentira, gradualmente perdemos nosso senso de liberdade.”
A liberdade, meus caros, é perdida aos pingos, e, aos pingos, aquilo que era uma reserva de boa de hidratação vai se esvaindo. E agora, não estou falando somente da liberdade econômica em si, mas da liberdade em geral, de expressão, política, culto etc. Segundo o último gráfico acima, a democracia liberal, aquela que garante a liberdade dos indivíduos como modelo básico de direitos humanos, vem recuando absurdamente.
“Para os esquerdistas — de modo geral —, a liberdade sempre foi um meio temporário para a verdadeira revolução socialista”
Pedro Henrique Alves
Estamos, em termos de garantias e práticas de liberdade, voltando aos patamares dos anos de Guerra Fria. O Ocidente está perdendo a seiva daquilo que o fez grande, rico e forte: a defesa primeva da liberdade. Para valer-me mais uma vez das palavras de Soljenítsin, naquela mesma palestra que citei acima, permitam-me: “O declínio da coragem pode ser o sinal mais marcante de um Ocidente em decadência.” Sim, ele estava bisonhamente correto.
Conservadores e liberais
![Presidente Ronald Reagan se encontra com o Papa João Paulo II no Aeroporto de Fairbanks, no Alasca (5/2/1984) | Foto: Wikimedia Commons](https://medias.revistaoeste.com/wp-content/uploads/2024/10/President_Ronald_Reagan_meeting_with_Pope_John_Paul_II_at_the_Fairbanks_Airport_in_Alaska-copiar.jpg)
O que diferenciou os conservadores e liberais de muitos que lutaram contra o fascismo e o próprio comunismo no século passado foram suas coragens absurdas em não ceder, como no caso de João Paulo II, Winston Churchill, Margaret Thatcher e Ronald Reagan, além de tantos outros menos célebres que se opuseram ao autoritarismo e à interferência do Estado em suas vidas públicas e privadas. Para os esquerdistas — de modo geral —, a liberdade sempre foi um meio temporário para a verdadeira revolução socialista ou, quando não, um fetiche poético para impressionar maconheiros idílicos. Para os bons conservadores, todavia, a liberdade é suas artérias, joelhos e coração, algo sem o qual não se podia viver.
Foram esses os homens e mulheres, conservadores e liberais, que entenderam o real valor da liberdade, aqueles que salvaram o Ocidente de se tornar cadelas de ideologias sanguinárias como o comunismo soviético e o nazismo alemão. Não se tratava apenas de ganhar uma guerra no campo de batalha, mas de ganhar uma guerra no campo político, histórico e cultural, e somente em posse de uma consciência sagaz e corajosa o homem pode entender que o conforto sem o livre arbítrio não passa de uma cela de pelúcia; que o pão sem liberdade é um favor do Estado, e não uma conquista do indivíduo.
Quando entendermos isso, compreenderemos então que, talvez, Nelson Rodrigues estivesse um tanto equivocado, pois me parece que a liberdade não é mais importante que o pão, pois a liberdade é o pão.
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