Erro calculado ou desvio de finalidade normativa?

Por Ranieri Genari Augusto

É de conhecimento geral que a reforma tributária foi recentemente aprovada pela Lei Complementar 214/2025, resultando na substituição do atual sistema tributário de impostos sobre o consumo (como ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) por dois impostos: o Imposto sobre Bens e Serviço (IBS), que será aplicado por Estados e municípios, e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), pela União, também conhecido como IVA-Dual. A inclusão do Imposto Seletivo (IS), que poderá incidir sobre operações potencialmente nocivas à saúde e ao meio ambiente, será excepcional.

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Uma das grandes promessas desse novo modelo de tributação é a simplificação, além da redução do contencioso tributário, uma vez que tende a diminuir a insegurança jurídica, como observado em outros países. A reforma também prevê a condensação de vários tributos em dois, e a maioria das operações gozará de não cumulatividade plena, eliminando a tributação em cascata — ou seja, o acúmulo de resíduo tributário de operações anteriores. Mas, principalmente, a reforma visa acabar com a polêmica sobre o “cálculo por dentro”, retirando os impostos de sua própria base de cálculo, de forma que incidam apenas sobre o valor agregado da operação.

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De fato, podemos afirmar que a Lei Complementar recentemente publicada contempla, em alguma medida, todos esses pontos. Contudo, ao olhar para o futuro, em 2033 — ano em que a Reforma será plenamente implementada — surgem questões sobre a transição, que se inicia já em 2026. Uma dessas questões é a recente polêmica acerca da inclusão (ou não) dos novos tributos na base de cálculo dos impostos que serão extintos.

Inicialmente, poderia parecer contraditório discutir esse tipo de situação em uma legislação destinada a simplificar o sistema tributário, especialmente considerando que a formação da base de cálculo sempre gerou controvérsias e insegurança jurídica no sistema atual, impactando os preços e afetando a livre concorrência. A lógica inicial nos levaria a concluir que, durante a transição, os novos tributos não deveriam compor a base de cálculo dos antigos, já que isso seria contrário às premissas da reforma.

Lula e o ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco, durante sessão no Congresso para promulgar a emenda da reforma tributária – 20/12/2023 | Foto Lula Marques/Agência Brasil

No entanto, infelizmente, constatamos que estávamos errados. A discussão ganhou forma no PLP 16/2025, protocolado em 5 de fevereiro, que visa a esclarecer que o IBS e CBS não devem ser incluídos na base de cálculo do IPI, ISS e ICMS. Isso, além de ser uma distorção econômica, resultaria em um aumento da carga tributária, uma vez que ampliaria a base de cálculo dos tributos em extinção.

Diversos setores, como o de serviços, já impactados pela reforma, poderão sofrer ainda mais com essa situação durante a transição, a não ser que sejam adotadas medidas compensatórias para mitigar esse incremento tributário “extraordinário”.

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Se compararmos, por exemplo, uma prestação de serviços e uma venda de mercadorias em 2029, primeiro ano da transição para o IBS, com uma alíquota estimada de 28,5% do IBS/CBS (levando em consideração que a CBS substituirá completamente o PIS/Cofins desde 2027, com alíquota de 10%, e o IBS representando 18,5% da alíquota total), podemos estimar que, caso os novos tributos sejam cobrados “por dentro” dos antigos, a carga tributária para mercadorias aumentaria em 1,17% e para serviços, em 2,63%. Isso, sem dúvidas, pode impactar a margem de lucro das empresas ou, caso seja repassado, aumentar o preço final para o consumidor.

Além de identificarmos o problema, que pode gerar sérias consequências para os contribuintes, se não for resolvido de forma adequada e tempestiva, outro aspecto que nos causa estranheza é que, segundo fontes confiáveis e conforme divulgado na imprensa especializada em Brasília, a omissão desse ponto na legislação aprovada, foi deliberada. Estados e municípios, teriam solicitado essa lacuna para evitar uma perda de arrecadação, permitindo, assim, que a tributação ocorra na ausência de disposição legal expressa.

Portanto, estamos diante de mais uma polêmica que precisa ser enfrentada, já que se trata de uma possível ofensa ao princípio da legalidade tributária, caracterizando um desvio de finalidade, ao se afastar do objetivo real da nova legislação.

Embora o uso dessa estratégia política seja legítimo no processo legislativo, ela apenas contribui para aumentar a desconfiança e o descrédito em relação ao novo diploma legal. Assim, em vez de promover a pacificação das controvérsias jurídicas — que são a causa do atual contencioso tributário, responsável por abarrotar os tribunais do país — observamos que esse tipo de atitude, se não sanada, só tende a agravar a situação, algo que ninguém em sã consciência deseja ver acontecer.


Ranieri Genari Augusto é advogado especialista em Direito Tributário pelo IBET, membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/Ribeirão Preto e consultor tributário na Evoinc.

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