Com alimentos caros, brasileiros recorrem a carcaça de frango e espinha de porco

A disparada dos preços dos alimentos mudou os hábitos de consumo das famílias e se tornou um problema para o governo federal. Em São Paulo, moradores de diferentes regiões relatam os desafios para manter a mesa abastecida.

Ionara de Jesus, 43 anos, enfrenta dificuldades para alimentar os três filhos no Parque Santo Antônio, na zona sul da capital paulista. Ouvida pela Deutsche Welle, Jesus detalha uma estratégia alimentar para sua casa.

Viúva há um ano, ela integra o Programa Operação Trabalho (POT) da prefeitura, que oferece uma remuneração mensal de R$ 1,5 mil. O valor não cobre todas as despesas, e ela complementa a alimentação da família com cestas básicas doadas pelo Instituto Josefina Bakhita, ligado à ONG Ação da Cidadania.

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Recorrer a cortes mais baratos foi a solução

Na casa de Ionara, a carne vermelha desapareceu do cardápio há seis meses, depois do preço disparar mais de 20% em 2024. Agora, a alimentação gira em torno de arroz e feijão, sem acompanhamentos. “Eles não gostam de salsicha”, diz Ionara, ao se referir aos filhos.

A solução foi recorrer a cortes mais baratos. A carcaça de frango, vendida a R$ 30 por 4 kg, rende até duas semanas. O suã de porco, encontrado a R$ 10 o quilo, virou uma opção acessível.

“E daí a gente inventa, né?”, diz Ionara. “Faz uma sopa, refoga, cozinha uma canja, e ela vai durando umas duas semanas. Às vezes até mais.”

Produtos básicos, como café e ovos, se tornaram artigos de luxo. O café acumulou alta de 50% em 12 meses, e o ovo encareceu 40% apenas em fevereiro. Para economizar, Ionara trocou o feijão tradicional pelo fradinho e dilui a comida com mais água para aumentar o rendimento.

“A gente reveza lá em casa: cada dia um de nós toma café”, declarou a mulher. “Daí o pacote dura mais.”

Alimentos industrializados, como bolachas e iogurtes, desapareceram da lista de compras. “Se não sobra dinheiro nem para comprar fruta na feira, como vou comprar essas coisas?”, questiona Ionara.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a inflação dos alimentos chegou a 7,69% nos últimos 12 meses, bem acima dos 1,11% registrados em 2023. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado até fevereiro indicou leve desaceleração em relação a janeiro, mas segue elevado, e atinge 7,12%.

A alta dos preços gerou preocupação no Planalto. A queda na popularidade de Lula levou o governo a isentar impostos de importação sobre itens essenciais, como café, açúcar, azeite de oliva e sardinha.

Alternativas para a proteína

A advogada Léa Vidigal, autora do livro Direito Econômico e Soberania Alimentar, alerta para os riscos da insegurança alimentar pela falta de proteínas.

“A falta delas [de proteínas] tem uma série de prejuízos à formação das crianças, por exemplo”, disse Vidigal.

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) aponta que a cesta básica em São Paulo custou R$ 851 em janeiro, equivalente a 56% de um salário mínimo. Para uma família de quatro pessoas, o rendimento ideal para cobrir alimentação e despesas básicas deveria ser de R$ 7,1 mil.

Adaptações com alimentos

O impacto da inflação também atinge a classe média. Na Vila Nova Cachoeirinha, Zona Norte, Luiz Benedito, motorista de aplicativo de 40 anos, precisou rever os gastos da família. O frango substituiu a carne bovina, e produtos de marca deram lugar a opções mais baratas. “Basicamente comemos só frango agora”, disse Benedito.

A estratégia para reduzir despesas incluiu recorrer a atacadistas para itens de limpeza e higiene. “O gasto é maior na compra, mas rende mais”, explica.

Na Vila Madalena, bairro nobre da zona oeste, Marcella Dragone, 40 anos, também sentiu o impacto da inflação. A família reduziu o consumo de presunto e salame, reservando-os apenas para ocasiões especiais. “Agora só compramos essas coisas quando vamos receber alguém em casa, amigos ou familiares.”

Outros ajustes foram necessários. O iogurte importado de R$ 32 deu lugar a marcas nacionais. O suco de uva, que saltou de R$ 20 para R$ 32, foi substituído pelo de laranja, vendido por R$ 15.

A carne bovina continua na mesa, mas em menor quantidade. O filé mignon, que chega a R$ 127 o quilo, foi substituído pelo pernil suíno, encontrado por R$ 35.

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