Fábio Gurgel é, sem dúvida, um case de sucesso — tanto dentro quanto fora dos ringues, no Brasil e no mundo. Lutador aposentado e um dos técnicos mais procurados no ramo do jiu-jítsu, sua trajetória de vida inspira milhares de pessoas. Seu recente livro, Inabalável: Princípios do jiu-jítsu aplicados à vida e aos negócios (LVM), chegou a figurar semanas em primeiro lugar na Amazon, na seção de “Biografias e Negócios” e “Artes Marciais”.
Como lutador, Gurgel foi três vezes campeão brasileiro de jiu-jítsu, quatro vezes campeão mundial e cinco vezes campeão mundial master. Como empresário, é cofundador da Alliance Jiu-Jítsu, uma das equipes mais vitoriosas do esporte no mundo. Já como técnico da Alliance, sagrou-se campeão mundial em 13 oportunidades.
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Gurgel — conhecido no ramo da luta como “General” — também construiu uma trajetória igualmente vitoriosa como empresário. Além dos títulos conquistados, alcançou um notório reconhecimento mundial de excelência no segmento. Hoje, sua rede de academias de jiu-jítsu conta com mais de 300 filiais espalhadas por 29 países, com cerca de 30 mil alunos que seguem diretamente sua metodologia no esporte.
Sua carreira também é marcada por palestras e cursos que relacionam os valores do esporte à vida e aos negócios. Seguidor confesso da filosofia estoica e admirador de pensadores como Dostoiévski e Ayn Rand, Gurgel transformou os pilares da filosofia ocidental e a sabedoria do jiu-jítsu em uma metodologia de crescimento pessoal e empresarial. Ele destaca como as virtudes e princípios aplicados no esporte podem ajudar a controlar vícios e formar indivíduos com valores bem estabelecidos.

A entrevista a seguir explorará essa relação entre o jiu-jítsu, a vida pessoal e a atuação empresarial de Fábio Gurgel, além de abordar sua trajetória no esporte e seu impacto na sociedade. Confira os principais techos da entrevista.
Por que o senhor escolheu o jiu-jítsu como esporte a ser praticado, e não o futebol?
Escolhi o jiu-jítsu após praticar vários esportes, inclusive o futebol. Esportes sempre fizeram parte de minha educação e sempre foram amplamente incentivados em casa por meus pais. Porém, as artes marciais foram de fato uma escolha minha na adolescência, fase em que você começa a ter de se virar sozinho e ser mais exposto ao mundo — sem a direta proteção dos pais. Sentia que precisava de algo que me trouxesse essa segurança e achei no jiu-jítsu a ferramenta perfeita.
Em seu livro, o senhor fala de sua trajetória nos ringues. Qual foi o momento mais marcante da sua carreira como competidor?
Tive inúmeros momentos marcantes em minha carreira. Competi dos 15 aos 43 anos de forma praticamente ininterrupta. Vitórias que trouxeram muitas alegrias e quatro títulos mundiais. No entanto, uma derrota é dona de meu momento mais especial como lutador. Aos 18 minutos de uma luta de vale tudo, com previsão para 30, eu estava exausto e em desvantagem na luta contra um adversário 30 quilos mais pesado. Perguntei ao meu corner quanto tempo faltava para acabar, esperando uma resposta que fosse por volta dos três a cinco minutos no máximo. Quando me falaram 12 minutos, foi como se uma bifurcação se abrisse à minha frente. Dois caminhos muito distintos: em um deles, o sofrimento acabaria de forma imediata e eu amargaria a duvida para sempre do que teria acontecido se eu houvesse continuado; a segunda, a que escolhi, era o caminho da coragem, da resiliência, o do não desistir jamais, o de tentar até o final dar um jeito. Segui a luta e a levei até seus 30 minutos de duração. Cheguei lá muito mais inteiro fisicamente do que naquele momento e isso transformou minha vida. Uma grande lição obtida de uma dura derrota.
Se o senhor tivesse vencido aquela luta contra Jerry Bohlander, no UFC 11, acredita que teria escolhido ir mais longe na franquia?
Difícil dizer, mas é, sem dúvida, possível que isso tivesse acontecido. É fato que, após a luta do Bohlander, eu teria mais duas naquela noite para ser campeão do torneio. Mas as coisas acontecem, e seus desdobramentos nos levam por caminhos imprevisíveis. Por isso, esse tipo de hipótese não é algo real ou que eu ocupe minha cabeça.
Em seu livro Inabalável: princípios do jiu-jítsu aplicados à vida e aos negócios, o senhor afirma que os valores aprendidos nos tatames moldaram não só sua vida privada, mas também a pública. Como cofundador da Alliance, de que modo, por vias práticas, o jiu-jítsu moldou sua visão de negócios e seus valores pessoais?
Essa é um resposta que eu precisaria de muito mais espaço para respondê-la por completo, talvez uma boa forma de obtê-la seja lendo meu livro. Mas, brincadeiras à parte, acho que o jiu-jítsu tem o poder de nos ensinar alguns princípios básicos de uma boa vida — e o que consequentemente nos levará ao sucesso, respeito, paciência, adaptabilidade, disciplina e “accountability”. São benefícios intrínsecos da prática do jiu-jítsu e que carrego em minha vida em tudo que faço.
O jiu-jítsu te fez liberal? Ou o liberalismo te fez encarar o jiu-jítsu com olhos empreendedores?
Acho que as duas coisas são verdadeiras. É difícil dizer o que veio primeiro, pelo menos de forma consciente. Tive um exemplo em casa, através de meu pai, de muita responsabilidade com o trabalho, correção nas atitudes, de nunca depender ou pedir favor para ninguém. Isso me fez querer trabalhar cedo. Por sorte, encontrei-me com o jiu-jítsu. É um esporte muito pequeno, mas com potencial transformador na vida das pessoas. Comecei a empreender com 19 anos, quando abri minha primeira academia. Precisei me adaptar 1 milhão de vezes, mudar o plano outras tantas, pensar que nada daria certo e mesmo assim seguir em frente, sem culpar ninguém por meus tropeços e sem esperar nada de ninguém que não fosse de meu próprio esforço e mérito. No jiu-jítsu, não existem vitórias a qualquer preço, ou pelo menos elas não têm o menor valor.
Recentemente, o presidente da Meta, Mark Zuckenberg, apareceu praticando jiu-jítsu e, logo em seguida, deu uma guinada em sua aparência. Sua postura pública e política mudaram, como vemos com as recentes declarações alinhadas ao liberalismo clássico. Você acredita que um esporte assentado em princípios éticos bem estabelecidos, como o jiu-jítsu, pode ser uma das respostas à mudança de Zuckenberg. O jiu-jítsu tem esse poder?
Gostaria de acreditar que sim. E, claro, já vi muitas mudanças e realmente acredito que elas podem ocorrer através do jiu-jítsu. No entanto, o momento para essa mudança me parece um tanto conveniente. Os ventos mudaram e, com certeza, é mais interessante para ele e sua empresa estarem alinhados ao poder. Eu teria mais facilidade de acreditar nessa mudança, se ela tivesse vindo com a de Elon Musk, quando todos os ventos sopravam contra. Mas, independentemente do motivo, acho que será um grande beneficio para o mundo tê-lo alinhado com pautas mais conservadoras e a favor da verdadeira liberdade.
O senhor afirma, no livro, que nomes como o escritor russo Fiódor Dostoiévski e a filósofa libertária russo-americana Ayn Rand são inspirações para sua vida e seus negócios. De que forma esses nomes influenciaram seus passos e ideias?
Acho que esses dois, juntos de tantos outros, como Thomas Sowell, Ludwig von Mises, Santo Agostinho, Aristóteles, Platão… têm formado meu modo de ver o mundo. A busca da verdade é uma estrada infinita, e conhecer a história e a visão de grandes pensadores vai te fazer conhecer problemas humanos e identificá-los quando eles aparecerem em sua frente. Isso vai te permitir não cair na tentação de ideias idiotas, e aquelas que já foram tentadas no passado com resultados catastróficos. Sem dúvida, te prepara melhor para a vida.
Falando em ideias e filosofia, no livro, o senhor relaciona o jiu-jítsu com virtudes estoicas, como coragem, justiça, moderação e sabedoria. Pode explicar como essas virtudes se manifestam na prática do jiu-jítsu?
Acho que elas são facilmente encontradas em vários momentos. A coragem me parece bastante obvia: enfrentar alguém em um combate gera medo — e, para enfrentá-lo, a coragem precisa estar presente. O jiu-jítsu é um ambiente de respeito e principalmente de confiança. Para que os lutadores possam se desenvolver, é necessário que a justiça esteja presente. No jiu-jítsu, aprendemos desde muito cedo que o controle do instinto é fundamental para que a razão (técnica) possa agir. Para tal, a temperança é trabalhada de forma inseparável da prática. A técnica (conhecimento) é a forma mais eficiente de se obter o resultado. Estudar, se aperfeiçoar e compartilhar são praticas também indissociáveis dessa luta. A sabedoria precisa estar presente.
Recorrentemente, o senhor menciona a importância da resiliência em seu livro. Pode compartilhar um exemplo específico de sua carreira onde a resiliência foi crucial?
Acho que, na implementação da metodologia de ensino que desenvolvemos há 25 anos, e que sofreu extrema resistência dos principais professores em aceitá-la, foi uma batalha loga e difícil, mas que mudou a forma como ensinamos jiu-jítsu na Alliance.
Há alguma derrota ou revés que, em retrospectiva, o senhor considera fundamental para o seu crescimento pessoal e profissional?
Acredito que todos os reveses nos ensinam algo — e, se não tivessem acontecido, não teríamos como saber onde estaríamos. Sou realmente grato a todos que enfrentei e não tenho arrependimento nenhum de nada. Para eu estar aqui, dando essa entrevista, tudo até aqui precisava ter acontecido exatamente como aconteceu.
Ainda existem os céticos que não acreditam que um esporte, como o jiu-jítsu, pode trazer benefícios de natureza psicológica e humana para além dos fisiológicos. Para esses, o que você diria?
Que eles se permitam experimentar. E, se não for possível, pelo menos imaginem como seria ter uma capacidade corporal poderosíssima. Não estou falando de força ou condicionamento físico, mas de técnica que te torna, de forma excepcionalmente inteligente, em uma pessoa muito mais capaz fisicamente. Some a isso o controle emocional, a já falada temperança…. Saber lidar com momentos de desconforto de forma tranquila e racional. Finalize com uma pitada de coragem e um real prazer em realizar coisas difíceis. Se você não acha que essas características trarão uma vida melhor para quem pratica esse esporte, volte e releia a resposta.
Como o senhor gostaria que seu legado fosse lembrado, tanto no mundo do jiu-jítsu quanto no âmbito empresarial?
Gostaria de chegar ao fim de tudo com a convicção que dei o meu melhor para aproximar esses dois mundos. Espero que muito mais pessoas do mundo dos negócios possam se beneficiar do jiu-jítsu e que os professores consigam cada vez mais entregar um jiu-jítsu alinhado com os mais nobres valores marciais, para que transformem suas academias em grandes negócios.
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