André Burger: ‘O elefante branco da Amazônia’

Os governantes do Brasil têm o infeliz hábito de iniciar obras que não terminam, inaugurar obras inacabadas e inaugurar o que já não era mais novo. Tudo com muita pompa. O mais raro é concluírem os projetos. Podemos mencionar muitos deles. Dariam um livro volumoso sobre como desperdiçar o dinheiro do pagador de impostos. Foi assim, por exemplo, o Estádio do Maracanã. Idealizado em 1946, quando foi definido que o Brasil sediaria a Copa do Mundo de 1950, iniciadas as obras em 1948, inaugurado para a Copa, mas só foi concluído em 1965.

Nada muito diferente das obras para a Copa do Mundo de 2014 e para as Olimpíadas de 2016 no Brasil. Há uma linha do metrô em São Paulo que era para ficar pronta para essa Copa e, ainda hoje, 11 anos depois, não está operando. Muitas obras para atender esses grandes eventos estão inconclusas ou abandonadas. Existe uma página na internet dedicada as obras inacabadas da Copa de 2014 que merece uma visita. Juntam-se a essas obras as que, mesmo concluídas, em pouco tempo deixaram de ter uso, como a vila olímpica em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. O que parece menos importar aos governantes é o gasto público, o dinheiro que é usado para bancar essas obras, inacabadas ou não, que provavelmente não é o melhor investimento para os que pagam a conta no final. Por vezes, a soma desses arroubos de gasto dos governantes é tão elevada que seu pagamento ultrapassa gerações, como a construção de Brasília pelo perdulário Juscelino Kubitschek.

Vista aérea da Vila Olímpica no Rio de Janeiro (RJ) | Foto: Divulgação/Prefeitura do Rio de Janeiro

O elefante branco de Lula

Contudo, o governante da ocasião, Lula, não perde oportunidade de anunciar novos eventos com os quais fará mais gastos. Afinal, gasto é vida. Neste ano de 2025, acontecerá de novo e em grande monta, pois pequenos maus gastos acontecem todos os dias nos municípios, Estados e Federação. O Brasil sediará, em novembro, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30). Será em Belém do Pará, por ser considerada a porta de entrada da Amazônia. Ora, saneamento básico é essencial para a preservação ambiental. Pois bem, o Estado de que Belém é capital tem um dos mais baixos índices de saneamento do país: apenas 45,5% da sua população tem acesso a água tratada e 7,7% a rede de esgotos. Dos seus 144 municípios, apenas 55 são atendidos pela Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa). Para efeito de comparação, no Brasil, em média, 98,8% têm acesso à água tratada e 54,9% à rede de esgoto. A mazela do Pará não fica por aí: das 20 piores cidades para se viver no Brasil, oito delas se localizam no Estado. A situação não é muito melhor na capital, Belém, onde apenas 17% da população de 1,3 milhão de habitantes é atendida por esgoto. Os 83% restantes são jogados in natura no Rio Guamá e na Bacia do Uma, de onde segue para o oceano. A cidade também esteve na lista das 50 cidades com mais assassinatos no mundo: em 10º lugar em 2017 e 12º em 2018. Quanto melhorou?

Região de favela em Belém (PA) | Foto: Donatas Dabravolskas/Shutterstock

Naturalmente que várias obras de adequação estão previstas em Belém, pois irão maquiar as graves carências de infraestrutura da cidade para receber as esperadas 60 mil pessoas entre representantes da ONU e de diversos países durante os 11 dias do encontro. Estimam-se gastos da ordem de R$ 6 bilhões para esses melhoramentos. Entre os usos desses recursos, estão a construção de dois hotéis, pois a cidade tem menos da metade dos leitos necessários para o evento, a construção de um parque, a dragagem de canais e melhoria de portos e ruas. Pontualmente, para trazer segurança a uma cidade conhecida pela violência, estimam-se gastos de R$ 31 milhões pela Polícia Federal e R$ 17 milhões pelo Ministério da Defesa.

Como em outras ocasiões, o discurso oficial é que o evento deixará um grande legado para a cidade. O que se viu de acontecimentos anteriores é que os gastos se realizam, mas o legado não, deixando elefantes brancos para os moradores e contas por pagar. Como em todos os eventos dessa magnitude, o uso dos recursos também tem aspectos pouco transparentes, como a contratação, sem licitação, da Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI) para planejar o evento, por R$ 478 milhões.

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As fontes de recursos nunca são completamente detalhadas, mas se sabe, no caso do financiamento da COP30, que o usual gastador de dinheiro, BNDES, aportará R$ 2,3 bilhões. Outros R$ 1,3 bilhões virão da Itaipu Binacional, que, mesmo não fornecendo energia para a Região Norte, contribuirá com a gastança, e R$ 1,4 bilhão do governo do Pará.

Vale notar que as despesas com a realização da COP30 em Belém (R$ 6 bilhões) superam o orçamento da cidade (R$ 5 bilhões) para 2025 — ou 12% do orçamento do Estado do Pará (R$ 49 bilhões). Para colocar em perspectiva, os gastos com a COP30 superam os cortes realizados no orçamento do Ministério da Saúde em 2024, de R$ 4,4 bilhões.

https://www.youtube.com/watch?v=ULTdSljNKaY

Como conclusão, mais uma vez, Lula e o PT são céleres em realizar um evento que cria mais despesa num país que gasta mais do que arrecada, aumentando o déficit fiscal e desviando recursos que poderiam ser utilizados em necessidades mais urgentes da população. Aqueles que afirmam que salvar o planeta e corrigir os desequilíbrios climáticos têm preponderância sobre as demais despesas do governo é porque não vivem sem saneamento básico nem acesso a saúde, por exemplo. Aliás, é postura comum de alienados da realidade do Brasil acostumados com as facilidades civilizadas da Faria Lima e Leblon.

Contudo, posso estar me precipitando e essas conclusões serem descabidas, pois há sinais de que Lula indicará Janja para um dos principais cargos da organização da COP30. E, então, teremos um evento excepcional, sem falhas ou desvios.

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André Burger é economista e conselheiro superior do Instituto Liberal

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