O silêncio do Enade 2023: o que está em jogo na educação superior brasileira?

O Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) é uma avaliação realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), autarquia vinculada ao Ministério da Educação (MEC). O exame foi criado em 2004 como um dos pilares do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), instituído pela Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004. E tem o objetivo de aferir o desempenho dos estudantes em relação aos conteúdos programáticos do curso, suas habilidades e competências para a formação profissional, além da compreensão de temas gerais da sociedade.

O Inep é responsável pela aplicação anual do Enade, seguindo um ciclo trienal de avaliação dos cursos superiores. Isso significa que, a cada ano, um grupo específico de áreas do conhecimento é avaliado, organizando-se em três grandes grupos, que se revezam anualmente.

A inscrição no Enade é obrigatória para estudantes ingressantes e concluintes habilitados de cursos de bacharelado, licenciatura e superiores de tecnologia. Os ingressantes, embora dispensados da participação na prova, precisam ser inscritos pelas instituições dentro do prazo divulgado. Já os estudantes concluintes devem obrigatoriamente realizar o exame — e responder ao Questionário de Estudante.

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No entanto, causa estranheza que, até o momento o resultado do Enade 2023, previsto para ser divulgado em 10 de setembro de 2024, ainda não o tenha sido publicado. Esse atraso compromete a análise comparativa entre cursos na modalidade de ensino a distância (EAD) e cursos presenciais. Além disso, prejudica a comparação entre cursos de medicina regulados pela Lei do Sinaes e aqueles regidos pela Lei dos Mais Médicos. Tal edição é particularmente relevante, pois possibilita uma análise mais aprofundada da qualidade da formação dos novos médicos no país.

Expansão dos cursos de medicina

‘Defendi a necessidade de se avaliar toda a jornada acadêmica do estudante de medicina’, afirma o articulista Danilo Dupas | Foto: Steve Buissinne/Divulgação/Pixabay

Em 20 de junho de 2024, participei de uma oficina promovida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) durante o 14º Fórum de Ensino Médico, onde debatemos as habilidades essenciais para a formação dos médicos. Defendi a necessidade de se avaliar toda a jornada acadêmica do estudante de medicina e ressaltei a importância de uma avaliação específica promovida pelo CFM, semelhante ao exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Essa medida se faz ainda mais necessária diante do crescimento desordenado de novos cursos de medicina, muitos deles autorizados por decisões judiciais.

A expansão dos cursos de medicina reflete uma complexa interação entre os diversos atores envolvidos. De um lado, estão as instituições privadas de ensino superior, que representam mais de 78% do setor e veem na medicina um mercado lucrativo, dado o alto valor das mensalidades. De outro, o CFM manifesta preocupação com a proliferação de escolas médicas sem a garantia de qualidade na formação, o que pode resultar na formação de profissionais com deficiências técnicas e, consequentemente, em impactos negativos na saúde pública.

A crise no ensino superior brasileiro se agrava com o excesso de oferta em relação a demanda de vagas, adicionando, segundo dados do Censo da Educação Superior de 2023, que a taxa média acumulada de desistência nos cursos superiores alcançou 60%. Em paralelo, o MEC decidiu congelar a abertura de novos cursos na modalidade EAD, uma medida que considero precipitada e prejudicial para muitas instituições comprometidas com a qualidade. Essa decisão parece punir indiscriminadamente todo o setor, ao passo que o ministério não conseguiu conter a abertura indiscriminada de novos cursos de medicina, via decisões judiciais.

De volta ao caso Enade 2023

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Fachada do Ministério da Educação, em Brasília | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O atraso na divulgação dos resultados do Enade 2023 também tem impacto direto sobre as instituições de ensino superior de maior qualidade. Sem esses dados, as universidades perdem a oportunidade de informar os vestibulandos sobre a excelência de seus cursos, fazendo com que muitos candidatos escolham instituições baseando-se apenas no preço das mensalidades. Esse cenário gera pressão no mercado e pode comprometer ainda mais a qualidade do ensino superior no país.

As fragilidades no sistema de avaliação da educação superior no Brasil já foram objeto de questionamento pelo Tribunal de Contas da União. O “Acórdão 658/2023 — Plenário apontou inconsistências nos processos regulatórios do MEC e estabeleceu um prazo de 180 dias para que o órgão adotasse medidas para aprimorar a avaliação e a supervisão dos cursos superiores. O atraso na divulgação dos resultados do Enade 2023 apenas reforça essa preocupação, evidenciando falhas estruturais que afetam a transparência e a qualidade.

Diante desse contexto, é fundamental que a imprensa, associações de ensino, educadores e conselhos profissionais tragam à tona a crise educacional brasileira. A transparência e a prestação de contas (accountability) devem ser cobradas do MEC para evitar medidas superficiais e populistas que apenas aprofundam as disfunções do sistema educacional. 

Essa falta de coordenação e transparência tem consequências graves. A indefinição sobre os resultados do Enade afeta não apenas a qualidade do ensino superior, mas também a produtividade do país e o futuro de milhares de estudantes que veem na educação uma oportunidade de transformação social.

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