Israel passou anos realizando ataques aéreos na Síria durante o governo do ditador Bashar al-Assad, que governou entre 2000 e 2024. As Forças de Defesa de Israel (FDI) visavam a instalações militares ligadas ao Irã e ao fornecimento de armas iranianas para o grupo terrorista libanês Hezbollah. Este fora deslocado para a região principalmente a partir do início da Guerra Síria, em 2011.
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Os ataques israelenses, agora, têm outro objetivo, depois da derrocada do governo de Assad: evitar que radicais islâmicos ligados ao novo governo sírio atuem em regiões que possam ameaçar a soberania de Israel.
Na terça-feira 25 foram mortas seis pessoas no sul da Síria, segundo o ministério das Relações Exteriores da Síria. O exército israelense declarou que houve um confronto com com militantes que abriram fogo contra seus militares.
Abu Mohammed al-Julani, nome de guerra de Ahmad al-Sharaa, assumiu o poder, em dezembro último, Israel iniciou uma incursão no país. De forma rápida, ele chegou à capital desprotegida.
O Irã e o Hezbollah, que apoiavam o governo, estavam enfraquecidos pela luta contra Israel. A Rússia, outro suporte para Assad, também não interferiu, sobrecarregada pela guerra contra a Ucrânia.
Desde então, Israel passou a realizar incursões no território sírio. As FDI consideram que há a necessidade de se prevenir contra a presença de militantes islâmicos no sul da Síria.
Julani tem um histórico ligado a grupos terroristas violentos. Adepto inicialmente da Al-Qaeda no Iraque, ele foi membro do Estado Islâmico, em 2006, e se tornou pivô da separação dos dois grupos terroristas.
Depois de representar a Al-Qaeda na Síria, por meio da Frente Al-Nusra, Julani aderiu ao Hayat Tahrir al-Sham (HTS), pelo qual derrotou o governo. Apesar da trajetória nitidamente terrorista, a nova liderança síria disse que não pretende abrir uma frente contra Israel.
“Uma coisa é o que o governo sírio está falando, outra é o que ele pode fazer, vamos aguardar”, afirma o cientista político Samuel Feldberg, diretor acadêmico da StandWithUs Brasil.
A situação na Síria não só remonta ao início da guerra no país, como também ao período seguinte à Primeira Guerra Mundial. Assim como o Líbano, o país foi formado de maneira artificial, em uma divisão entre França e Inglaterra. Para compensar as lideranças árabes que a tinham apoiado na guerra, a Inglaterra criou outros dois Estados: o Iraque e a Transjordânia.
Governo sírio sunita
Em cada uma destas quatro novas nações, delineadas pelos interesses das duas potências europeias, foram propositalmente colocados no poder representantes de minorias, entre as tantas etnias espalhadas por cada país.
Na Síria, a maioria sunita foi excluída. Assim como no Iraque, onde os xiitas ficaram de fora. Era uma maneira de as potências europeias perpetuarem seu controle na região, com apoio a grupos minoritários. Desta maneira, a família de Assad, alauíta, governou o país por décadas.
Com o fim do regime, segundo Feldberg, pela primeira vez a Síria tem condições de se tornar uma democracia. Os sunitas, maioria ampla no país, finalmente estão no poder. Mas, mesmo defendendo a conciliação, Julani já adiantou que quer reformar a Constituição para que ela deixe de ser laica e se baseie na Lei Islâmica, o que tornaria o país uma teocracia.
São de sunitas, afinal, que são compostos os grupos terroristas que lutaram na região, como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico. E que, por isso, têm grandes chances de receberem o apoio da maioria da população da mesma etnia.
Na Guerra Síria, os sunitas do Estado Islâmico e da Al-Qaeda foram combatidos por todos os atores, desde o Irã até os Estados Unidos (EUA), passando pela Rússia.
Receberam apenas apoio da Turquia, que desejava evitar o fortalecimento dos curdos combatentes na Síria. O governo do presidente Recep Tayyip Erdoğan temia que eles ganhassem fôlego para reivindicarem também um Estado em território turco.
“O interesse de todos esses elementos [dos EUA ao Irã] era evitar que um grupo terrorista como esse passasse a controlar um território habitado, primordialmente, por árabes sunitas que tinham sido controlados por minorias nessas regiões”, ressalta o professor Feldberg.
“Em muitas dessas áreas, os árabes sunitas viam o próprio Estado Islâmico como um representante legítimo. Durante a guerra, eles foram derrotados e foram empurrados para a região de Idlib, no noroeste, onde se concentraram ao longo de vários anos e puderam se reestabelecer basicamente com o apoio da Turquia, que vê essa situação na Síria com muita preocupação. Desde Idlib eles foram tomando cidades até conquistarem Damasco.”
O governo de Israel acompanha este cenário com preocupação. A Síria está na iminência entre se tornar uma democracia, já que pela primeira vez a maioria sunita controla o governo. Ou então uma teocracia baseada na interpretação radical do Islã.
“O fato de nós termos possivelmente um governo fundamentalista islâmico na Síria gera um vínculo com as forças do Hamas, pelo menos identitário e religioso”, prossegue Feldberg. “A preocupação israelense tem a ver com a forma como esse grupo fundamentalista islâmico seria implementado.”
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Uma parte do território de Israel, no passado, foi administrado pelos califados (islâmicos), durante o Império Otomano (1453–1922), e hoje é administrado por um governo que representa o povo judeu. Tal situação pode ir frontalmente contra esses fundamentos islâmicos, segundo Feldberg. A incerteza em relação ao novo governo sírio gera tensão.
“Como isso vai se refletir nas demandas desse governo em relação à legitimidade de Israel, é mais um teste que esse governo vai ter que passar.”
O post Síria: entre a democracia e a teocracia apareceu primeiro em Revista Oeste.