‘Foro privilegiado se tornou arma de pressão política’, diz Gazeta do Povo

O recente julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), que alterou sua jurisprudência sobre a prerrogativa de foro privilegiado, trouxe consigo uma série de preocupações que vão além das implicações jurídicas. Tais receios são o tema central de um editorial do jornal Gazeta do Povo, publicado no sábado 29.

O principal temor, de acordo com a publicação, reside na possibilidade de um uso político do novo entendimento, permitindo que ex-autoridades sejam julgadas pelo STF mesmo depois de deixarem seus cargos. Os desdobramentos desse cenário têm levantado sérias dúvidas sobre a imparcialidade da Corte e a estabilidade do sistema judicial brasileiro.

Um exemplo emblemático dessa situação é o caso de Gilberto Kassab, atual secretário de Governo e Relações Institucionais de São Paulo. Investigado por corrupção e caixa dois desde 2018, Kassab teve sua ação arquivada por falta de provas pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo em 2023, decisão que já havia transitado em julgado.

No entanto, o ministro Alexandre de Moraes decidiu recentemente reabrir o caso, trazendo-o de volta ao STF. O que chama atenção, de acordo com o jornal, é o momento dessa decisão: ela ocorreu apenas um dia depois de o ex-presidente Jair Bolsonaro afirmar que Kassab prometera apoio do PSD à anistia dos condenados pelo 8 de janeiro – pauta que enfrenta forte resistência tanto do governo quanto do próprio STF.

O foro privilegiado como arma

A Estátua da Justiça, na fachada do STF, em Brasília
A Estátua da Justiça, na fachada do STF, em Brasília | Foto: Carlos Humberto/SCO/STF

Além de Kassab, outros políticos também tiveram seus processos retomados pelo Supremo. Entre eles, o ex-ministro Ricardo Salles e ex-deputados federais e senadores.

Para a Gazeta do Povo, o que poderia ser encarado como mera aplicação do novo entendimento do foro privilegiado passa a ser visto como um instrumento de pressão política, utilizado para enfraquecer grupos parlamentares e influenciar decisões do Congresso.

Essa percepção é compartilhada não apenas por congressistas, mas também por analistas políticos e jornalistas que acompanham de perto os bastidores do poder.

Outro ponto preocupante, conforme destaca a Gazeta do Povo, é a forma como essa mudança tem sido aplicada. Tradicionalmente, a Justiça só age quando provocada, ou seja, mediante pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) ou de outra parte interessada. Contudo, Moraes determinou o retorno dessas ações ao STF por iniciativa própria, sem que houvesse qualquer requerimento prévio.

De acordo com o jornal, esse tipo de conduta contraria princípios básicos do Direito e reforça a suspeita de que processos judiciais estão sendo manipulados conforme interesses políticos momentâneos.

Insegurança política

O caso de Deltan Dallagnol é mais um exemplo dessa problemática, segundo a Gazeta do Povo. O ex-procurador e ex-deputado federal foi alvo de uma ação movida por Flávio Dino, à época ministro da Justiça, por suposta calúnia, difamação e racismo. Depois da cassação do mandato de Dallagnol em 2023, o processo foi para a primeira instância, onde permaneceu parado.

Agora, com a nova interpretação do foro privilegiado, a ação retorna ao STF, levantando questionamentos sobre a real motivação por trás dessa movimentação processual. Trata-se, novamente, da relativização da imunidade parlamentar garantida pela Constituição, criando um ambiente de insegurança jurídica e possíveis retaliações políticas.

Para a publicação, embora seja evidente que políticos devem responder por eventuais crimes cometidos, a Justiça não pode ser utilizada como um instrumento de barganha ou coerção. Processos não podem ser manipulados conforme conveniências do momento, sob risco de corroer a confiança nas instituições e enfraquecer a democracia.

“Não é normal que ações sejam usadas como espadas de Dâmocles, e ainda menos normal que juristas, jornalistas, políticos e outras personalidades não vejam problema algum nisso”, afirma o jornal. “O enorme silêncio diante do potencial uso do novo entendimento sobre o foro privilegiado como meio de pressão política, por medo, conivência ou concordância – inclusive com a possibilidade de se ‘ressuscitar’ processos já encerrados e tramitados em julgado –, contribui ainda mais para a corrosão da democracia.”

+ Leia mais sobre a Imprensa em Oeste

O post ‘Foro privilegiado se tornou arma de pressão política’, diz Gazeta do Povo apareceu primeiro em Revista Oeste.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.