Associação processa CNJ por reproduzir dados não oficiais sobre violência contra pessoas trans

A Associação de Mulheres, Mães e Trabalhadoras (Matria) acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) retire de seus canais oficiais informações sobre violência contra pessoas trans. Para a associação civil, a divulgação desses dados fere os princípios constitucionais da Administração Pública de publicidade, moralidade e legalidade.

Na ação, a Matria questiona a divulgação de duas estatísticas frequentemente utilizadas por entidades ligadas ao ativismo transgênero: a de que o Brasil seria o país que mais mata pessoas trans no mundo e a de que a expectativa de vida desse grupo seria de até 35 anos. Esses dados foram reproduzidos pelo CNJ em atos normativos e também em seus canais oficiais na internet.

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Ajuizada em 14 de abril, a ação foi distribuída ao ministro Dias Toffoli. Ele sequer analisou o mérito das acusações e declarou o processo extinto dez dias depois. Segundo Toffoli, a divulgação dos dados em redes sociais “não constitui ato de competência constitucional do CNJ”.

Associação processa CNJ por reproduzir dados não oficiais sobre violência contra pessoas trans
Publicação do CNJ sobre violência contra pessoas transgênero | Foto: Reprodução/Instagram

Além disso, o ministro questionou a legitimidade da Matria para propor a ação. Ele ainda afirmou que, ao contestar o uso de dados por um dos principais órgãos do Judiciário, a Matria estaria promovendo um “verdadeiro ataque injustificado a grupo social vulnerável (pessoas transsexuais e travestis)”.

Diante da decisão, a Matria informou que vai recorrer nos próximos dias. “Os argumentos do ministro para extinguir a ação nos pareceram falhos e juridicamente temerários”, diz Celina Lazzari, diretora da Matria. “Revelam uma preocupante desconsideração pelo compromisso com a verdade objetiva como fundamento da atuação estatal e jurisdicional.”

Matria questiona metodologia de pesquisa sobre assassinatos

Antes de ingressar com a ação, a Matria já havia notificado extrajudicialmente o CNJ, em janeiro de 2024, ao identificar uma publicação nas redes sociais do órgão. No pedido de retirada do conteúdo, a associação alegou que os dados carecem de respaldo de órgãos oficiais de estatística ou validação metodológica por entidades especializadas.

O CNJ recusou-se a remover a postagem, sob a justificativa de que sua Secretaria de Comunicação Social possui autonomia para gerir os conteúdos publicados e que não havia elementos suficientes para invalidar os dados divulgados.

Em fevereiro de 2024, a Matria publicou um relatório detalhado sobre o que considera falhas estatísticas em informações divulgadas pela ONG Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), do Brasil, e pela organização alemã Transgender Europe (TGEU).

Quanto à alegação de que o Brasil lidera o ranking global de assassinatos de pessoas trans, o relatório afirma que a apresentação dos dados faz parecer “que tais pessoas foram assassinadas não apenas de forma intencional, mas por se autodeclararem trans, ou seja, que os números mencionados seriam todos de crimes de ódio”. 

Logotipo da Associação de Mulheres, Mães e Trabalhadoras (Matria) | Foto: Reprodução/Redes sociais

No entanto, a origem dos dados divulgados pela ONG não provém de nenhum instituto, nem mesmo resultam de alguma pesquisa a partir de dados oficiais. Os números, como a própria entidade dedicada ao ativismo trans revela, vêm de levantamentos feitos por seus membros em sites de notícias e até mesmo publicações nas redes sociais.  

Entre os casos listados como violência contra pessoas trans, as ONGs mencionam, por exemplo, um detetive trans encontrado morto enquanto investigava um homicídio, quatro mulheres trans assassinadas antes de prestar depoimento em um caso de tráfico de pessoas e uma mulher trans que faleceu por causas naturais durante um voo para a França.

Todos esses casos foram listados como crimes de ódio nos relatórios das ONGs.

Presidente de ONG trans é única fonte sobre expectativa de vida

A Matria também aponta o erro metodológico reproduzido tanto pela Antra quanto pela TGEU. As duas organizações usam números absolutos nas comparações internacionais, sem levar em conta o tamanho da população de cada país, o que pode distorcer as conclusões.

Em relação à expectativa de vida de pessoas trans no Brasil, estimada em 35 anos, a Matria destacou que a Antra divulga esse dado sem citar fontes oficiais. No entanto, em seu dossiê de 2018, a ONG apontou como origem a pesquisa “Travestis Envelhecem?” (2013), do professor de psicologia Pedro Paulo Sammarco Antunes. 

Conforme esclarecido pelo próprio autor em entrevista ao Guia Gay São Paulo, em 2021, o dado mencionado é resultado de uma declaração da presidente da Antra, Keila Simpson, concedida durante uma entrevista incluída em seu estudo. 

“O correto seria não me citar como fonte direta ou dizer que eu afirmo, mas sim falar que o dado é fornecido por ela em entrevista para meu estudo, o qual se tornou livro”, diz Antunes. Ou seja, depois de a líder da Antra dizer as informações ao pesquisador, a Antra passou a reproduzir o número como se fosse oriundo de um estudo científico.  

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