China investe pesado no Brasil e América do Sul para contornar conflito com os EUA, relata WSJ

A China tem reduzido sua dependência das importações de alimentos dos EUA, mas os grãos permanecem sendo as principais exportações norte-americanas para o gigante asiático. Enquanto isso, a guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo aumenta a urgência em Pequim para garantir o fornecimento interno de produtos agrícolas. 

A solução do governo chinês passa, literalmente, pela América Latina. Autoridades chinesas declararam, no último dia 28, que podem facilmente abandonar as importações de grãos dos EUA e ainda assim atingir a meta de crescimento de 5% neste ano. O Brasil — e, em menor grau, a Argentina — preencheriam essa lacuna, segundo analistas do mercado agrícola.

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Lula e Xi Jinping na China
Lula e Xi Jinping na China – 12/05/2025 | Foto: Divulgação/Embaixada da China

O porto de Santos (SP) se encaixa no plano mais amplo da China para garantir acesso às commodities da América do Sul, diante da escassez de água e terras férteis no próprio território. Empresas chinesas estão construindo centenas de quilômetros de ferrovias pelo coração agrícola do Brasil e finalizando um porto de águas profundas de US$ 3,5 bilhões na costa do Pacífico do Peru.

Segundo a apuração do jornal norte-americano The Wall Street Journal, a estatal chinesa Cofco está construindo, em Santos, seu maior terminal de exportação fora da China, para gerenciar os embarques de milho, açúcar e soja. A capacidade anual de exportação da empresa passará de 4,5 milhões para 14 milhões de toneladas, mas só deve atingir essa capacidade total no próximo ano.

Desde que entrou no mercado brasileiro em 2014, ao adquirir a holandesa Nidera e a unidade agrícola da Noble, de Hong Kong, a Cofco usava terminais de terceiros, o que gerava um custo adicional de cerca de 15%. Mas, em março de 2022, a Cofco obteve uma concessão de 25 anos para desenvolver o terminal STS11 no Porto de Santos, e comprometeu-se a investir cerca de US$ 285 milhões no local.

China está aumentando suas compras de soja brasileira | Foto: Shuttestock

A estatal chinesa China Merchants Port Holdings já havia adquirido 90% da operadora do porto de Paranaguá (PR), em 2017, por US$ 925 milhões. A China Railway, também estatal, está construindo parte de uma ferrovia que liga a região agrícola central do Brasil a portos no leste e norte do país.

No Peru, a Cosco Shipping construiu um megaporto de águas profundas para acelerar o comércio entre a Ásia e a América do Sul. Pequim também discutiu com governos da região a construção de uma ferrovia transcontinental, do Pacífico peruano aos portos atlânticos do Brasil.

Conflito entre China e EUA ajuda Brasil desde o 1º mandato de Trump

Em 2023, o Brasil respondeu por cerca de um quarto das importações agrícolas da China, enquanto a participação dos EUA caiu para cerca de 14%, segundo dados do governo chinês. Atualmente, o Brasil fornece cerca de 70% das remessas de soja para a China. Aproximadamente 30% passam por Santos, com participações menores por Paranaguá e pelos portos da região Norte, como Itaqui (MA) e Barcarena (PA).

Porto de Santos é importante local responsável por importações e exportações do Brasil
Porto de Santos é importante local responsável por importações e exportações do Brasil | Foto: Divulgação/Porto de Santos

O Brasil se beneficiou das tensões comerciais durante o primeiro mandato de Donald Trump, quando substituiu os EUA como fornecedor da China. Entre 2017 e 2024, as importações chinesas de soja brasileira aumentaram 35%, para cerca de 73 milhões de toneladas, enquanto as importações de soja americana caíram 14%, para 27 milhões de toneladas, segundo o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais de Washington.

“Basta ver o que aconteceu no primeiro governo Trump”, disse Cláudia Trevisan, diretora do Conselho Empresarial Brasil-China, ao WSJ. “Trump impôs tarifas sobre importações da China, a China retaliou, e o Brasil aumentou suas exportações para a China de produtos que os EUA costumavam fornecer, principalmente soja.”

O líder chinês Xi Jinping reuniu-se com líderes sul-americanos, Lula incluído, em Pequim nesta segunda-feira, 12, para discutir o estreitamento dos laços. Autoridades brasileiras têm recebido com entusiasmo a oportunidade de atrair investimentos estrangeiros para estradas, ferrovias e portos precários do país, segundo o WSJ.

“Precisamos de cada vez mais infraestrutura”, disse Renan Filho, ministro dos Transportes.

renan filho
O ministro dos Transportes, Renan Filho | Foto: Divulgação

Infraestrutura brasileira não dá conta da demanda por exportações

Santos mal dá conta da demanda. O porto movimentou um recorde de 180 milhões de toneladas de carga no ano passado, cerca de 60% em produtos agrícolas. Greves são comuns. Mais de 90% da capacidade portuária do Brasil para exportações de grãos já está em uso, acima do limite de segurança operacional de 85%, segundo a consultoria Macroinfra.

Como o Brasil não tem uma malha ferroviária extensa como a dos EUA, os grãos chegam a Santos principalmente por caminhão — até 20 mil por dia, segundo as autoridades portuárias. Os engarrafamentos chegam a 30 km nas rodovias da região. 

“Deus sabe como alguma coisa consegue sair deste país”, afirma Silvia Ferreira, professora em Santos, cidade com quase meio milhão de habitantes. As fazendas também estão sob pressão, especialmente com a alta nos preços dos fertilizantes.

Preços fertilizantes
Armazém de fertilizantes | Foto: Divulgação/CNA

O clima temperado do Brasil permite até três safras por ano, enquanto a maioria dos países colhe apenas uma. Mas isso esgota os nutrientes do solo, e os terrenos argilosos do país têm dificuldade em reter minerais durante as chuvas intensas. Por isso, o uso de fertilizantes é essencial.

O Brasil importa 85% dos fertilizantes que usa, principalmente da Rússia, e já enfrentava dificuldades para garantir o abastecimento depois da invasão da Ucrânia. As tensões comerciais entre EUA e Canadá — outro grande fornecedor — também elevaram os preços globais.

“O Brasil tem muito potencial, sim, mas isso não significa que pode simplesmente estalar os dedos e, de uma hora para outra, ampliar a produção para atender à demanda chinesa”, disse Plínio Nastari, presidente da consultoria agrícola Datagro. “O país tem seus próprios problemas e tudo isso faz parte da equação.”

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