Relação entre Gilmar Mendes e CBF é inconstitucional, diz jurista

Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), se orgulha em dizer que é sócio do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Define o IDP como uma instituição de excelência e dá a entender que, para ele, o instituto está prestando um favor à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), na parceria para ministrar cursos da CBF Academy.

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Mas, segundo o jurista Sidney Stahl, pós-graduado em Direito Constitucional e Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a Constituição Federal determina que um juiz não pode exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério. As declarações de Gilmar foram dadas em entrevista para o UOL.

“O art. 95, § único, inciso I da Constituição Federal estabelece que é vedado aos juízes ‘exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério’, negociar acordos ou contratos ou usar do seu prestígio para consegui-los, não me parece atividade do professor”, afirma Stahl a Oeste.

“Ao afirmar que ‘não há conflito de interesse em relação a esta questão’, o ministro ignora que o próprio Código de Ética da Magistratura Nacional (Art. 19) determina que ‘cumpre ao magistrado adotar as medidas necessárias para evitar que possa surgir qualquer dúvida razoável sobre a legitimidade de suas receitas e de sua situação econômico-patrimonial.”

Por esta tese, a própria instituição de Gilmar, cuja origem tem total relação com o Direito, estaria praticando um ato inconstitucional. O que, em tese, arranha toda a excelência nos cursos jurídicos ministrados por ela, conforme diz o jurista.

“Posso garantir que o IDP tem um excelente prestígio no meio jurídico, mas o IDP é bastante conhecido também pelos eventos que promove em Portugal com acadêmicos, figuras do mundo jurídico e muitas autoridades”, acrescenta o jurista, que foi professor assistente de Direito Constitucional do ex-presidente Michel Temer, na PUC-SP.

“A produção acadêmica do IDP é robusta e diversificada, abrangendo periódicos científicos, séries de livros, repositórios digitais e parcerias internacionais, consolidando sua posição como uma instituição de ensino e pesquisa de destaque no Brasil, porém, excelência acadêmica só é legítima quando sustentada por autonomia, mérito e transparência, valores que ficam sob suspeita quando há mistura entre Judiciário, mercado e academia.”

Stahl destaca que o discurso do ministro é típico de situações em que há suspeita de conflito de interesses e o acusado busca deslocar o foco da crítica para a credibilidade pessoal ou institucional — estratégia clássica de blindagem reputacional. Coloca a suspeita, conforme prossegue o advogado, no crítico como primeira defesa.

Neste caso, Gilmar criticou o senador Eduardo Girão (Novo-CE), que cobrou a apuração das denúncias envolvendo a CBF e o presidente da entidade, Ednaldo Rodrigues, reveladas em reportagem da revista Piauí. Stahl observa:

“Quando Gilmar Mendes afirma que ‘o IDP é uma instituição extremamente conceituada no Brasil e no exterior’ e que ‘estava organizando e cedendo seu bom prestígio à CBF, e não o contrário’, ele utiliza uma estratégia retórica circular: o prestígio do IDP é apresentado simultaneamente como fato consumado e como justificativa para suas ações”, diz Stahl.

Segundo ele, o ministro busca maneiras inconsistentes para justificar a relação.

“Esta circularidade argumentativa é característica de narrativas de autolegitimação, onde a autoridade é invocada para justificar a própria autoridade.”

Para Stahl, porém, mais do que argumentos teóricos, vale mais a forma como a instituição lida na prática com os desígnios da lei.

“Uma instituição de ensino superior de Direito verdadeiramente de qualidade deve demonstrar independência acadêmica, pluralismo teórico e transparência institucional”, ressalta ele. No entanto, quando sua reputação está intrinsecamente ligada à figura de um ministro do STF, cria-se uma situação onde a percepção de “excelência” deriva mais do poder político do Ministro e menos da produção acadêmica, ou seja, ele confunde o mérito técnico com acesso político e prestígio institucional.

O advogado ainda coloca que a “narrativa de autolegitimação” compromete a credibilidade de todos os cursos oferecidos pelo IDP “quando a instituição utiliza relações privilegiadas com figuras de poder como diferencial competitivo, em vez de resultados acadêmicos mensuráveis.”

“O IDP nasce e cresce em um ecossistema no qual a figura de um ministro do STF está diretamente envolvida. Isso contamina a percepção pública sobre a isenção e o mérito da produção científica ali realizada.”

O instituto de Gilmar e a CBF

Em sua atuação como ministro, Gilmar foi acusado de misturar os dois temas – sua função de ministro e de sócio, ao, como relator, determinar o retorno de Ednaldo, quando este foi destituído pela primeira vez, em dezembro de 2023.

Nesta quinta-feira, 15, Ednaldo foi afastado novamente, depois de, entre outras, suspeitas de falsificação de assinatura de acordo que havia encerrado a briga jurídica pela presidência da entidade.

O acordo entre CBF e IDP foi assinado em agosto de 2023 e, naquele ano, segundo a revista Piauí, as receitas da CBF Academy, onde atua o IDP, foram de R$ 9,2 milhões, com 80% do valor indo para o instituto, conforme combinado em contrato.

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Tal situação, aliada às acusações de desmandos e gastos extravagantes da entidade, levaram deputados a planejarem uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Federal. O deputado Coronel Meira (PL-PE) protocolou o pedido no dia 14 de abril e tem apoio de um grupo formado, entre outros, pelo deputado Sargento Gonçalves (PL-PB).

“O que se sabe publicamente é que o Instituto IDP, do qual Gilmar Mendes é sócio, firmou parceria com a CBF para gerir a CBF Academy, numa operação milionária”, afirma o Sargento Gonçalves a Oeste.

“A relação é comercial e direta. E o mais grave: essa parceria foi mantida sem que o ministro se declarasse suspeito no processo que envolvia diretamente a presidência da entidade. Isso afronta o princípio da moralidade e da imparcialidade judicial.”

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