Sem educação de qualidade, não há futuro: os desafios de um sistema em colapso

Há uma diferença fundamental entre educar e ensinar. Percebo que muitos especialistas em educação confundem os dois conceitos, acreditando que ao ensinar estão, automaticamente, educando. No entanto, educar é um processo mais amplo, que envolve a formação integral do indivíduo — incluindo valores, atitudes, comportamento, conhecimentos e habilidades. Assim, a educação vai além da escola, sendo moldada também pelas interações com a família e com a sociedade.

Embora o ensino componha a educação, ele precisa ser observado com cuidado, especialmente no que diz respeito à jornada do estudante. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao Ministério da Educação (MEC), desempenha papel essencial nesse processo. O órgão coleta dados, aplica avaliações e conduz estudos que ajudam a mapear a qualidade do ensino brasileiro.

Infelizmente, o Brasil enfrenta entraves graves no acesso e divulgação de dados educacionais, como os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica. Em sua edição mais recente, de 2023, houve atraso na publicação dos dados — em razão de mudanças metodológicas que afetaram a comparabilidade com edições anteriores. Trata-se de um prejuízo inaceitável à transparência e à eficácia das políticas públicas.

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Sem dados atualizados e confiáveis, perde-se a oportunidade de corrigir rumos e alocar melhor os recursos públicos. Gerações de estudantes continuam sendo mal ensinadas, enquanto cresce o risco de retrocesso no desenvolvimento educacional do país. Diante disso, é urgente que órgãos como o Tribunal de Contas da União e a Controladoria-Geral da União atuem na apuração do caso e na responsabilização dos gestores envolvidos. Além dos resultados servirem para o cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica e a distribuição de recursos federais para as escolas públicas, via o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.

O Inep possui convênio com entidades internacionais para aplicar exames que comparam a aprendizagem dos alunos brasileiros com os dos países associados. Assim, irei promover a reflexão sobre dois exames internacionais:

  1. O Programme for International Student Assessment (Pisa); e
  2. O Trends in International Mathematics and Science Study (Timss). 

Sobre o Pisa

O Pisa é um estudo comparativo internacional realizado a cada três anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A avaliação oferece informações sobre o desempenho dos estudantes na faixa etária dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países, focada em matemática, leitura e ciências.

A última edição foi aplicada em 2022, durante a minha gestão como presidente do Inep, com a participação de 81 países e 690 mil estudantes. No Brasil participaram 10,8 alunos de quase 600 escolas, sendo que as amostras são definidas tecnicamente para preservar a comparabilidade entre os países ao longo dos anos.

O Brasil apresentou no Pisa 2022 rendimento inferior às médias dos países participantes. Destaque para matemática, disciplina na qual 73% dos estudantes brasileiros registraram baixo desempenho.

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Gráficos: histórico das médias de proficiência do Brasil no Pisa | Fonte: Inep, com base em OCDE

Sobre o Timss

O segundo exame internacional, o Timss, foi implementado na minha gestão no Inep, em 2022, perante o convênio que assinei com Associação Internacional para a Avaliação do Desempenho Educacional (IEA) e o apoio do MEC. Essa avaliação fornece dados sobre o desempenho em matemática e ciências do 4º e 8º ano do ensino fundamental, em diferentes países.

A avaliação do Timss é aplicada a cada quatro anos), desde 1995, e é organizada pela IEA, que desenvolve um amplo estudo. Além dos resultados do exame, contempla um questionário de contexto, que descreve os fatores domésticos, escolares e de sala de aula associados à aprendizagem dos alunos em matemática e ciências. Os questionários são preenchidos pelos alunos, seus pais, professores e diretores de escola.

Com a participação de 72 países e 650 mil estudantes. No Brasil participaram 44,9 mil alunos, sendo 22,1 mil do 4º ano e 22,7 mil do 8º ano do ensino fundamental, sendo que as amostras são definidas tecnicamente para preservar a comparabilidade entre os países ao longo dos anos.

A escala de proficiência do Timss é dividida em quatro níveis e pontos de corte: avançado (625), alto (550), intermediário (475) e baixo (400). Esses níveis são usados para categorizar os resultados dos alunos, refletindo sua capacidade nas áreas de matemática e ciências. O Brasil apresentou médias inferiores aos dos demais países e com destaque — negativo — para matemática, com baixo rendimento.

O que os dados mostram sobre a educação no Brasil

Esses dados mostram que o Brasil promove uma aprendizagem ultrapassada, enquanto parte dos especialistas insiste em discutir vieses ideológicos em vez de propor soluções baseadas em evidências. É preciso olhar para os países bem avaliados e adaptar as metodologias que comprovadamente funcionam.

Recentemente, ministrei uma palestra no Centro de Integração Empresa-Escola a jovens em situação de vulnerabilidade que participam de um programa de aprendizagem. Fiquei positivamente impressionado com o interesse deles em analisar os dados apresentados — mesmo sendo seu primeiro contato com esse tipo de informação. Um deles mencionou a dificuldade de conciliar o curso técnico com o conteúdo exigido no Enem. Apontou, assim, um problema real.

A educação no país do Enem

O Enem, de fato, está defasado, tanto em seu conteúdo quanto no formato. Em 2023, o Inep cancelou o Enem Digital, mais seguro e eficiente na correção. Vale lembrar que exames como o Pisa e o Timss já são aplicados digitalmente há anos.

É fundamental valorizar iniciativas inovadoras, como o Provão Paulista Seriado e a Educação Profissional no ensino médio, ambos conduzidos pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, sob a gestão do secretário Renato Feder. O Provão permite acompanhar o desempenho do aluno ao longo do tempo. Enquanto isso, a Educação Profissional aproxima a escola do mercado de trabalho, incentiva, dessa forma, o aprendizado prático e, além disso, reduz a evasão.

Mas nenhuma política pública será eficaz sem o envolvimento da família. A formação educacional do aluno deve ser uma responsabilidade compartilhada — e não transferida exclusivamente ao Estado.

Como economista, insisto: o maior ativo de uma nação são suas pessoas. Nenhuma economia prospera sem investimento sério na formação humana. Enquanto não mudarmos nossa forma de educar, continuaremos lidando com consequências sociais graves, como violência, desigualdade e baixa produtividade.

É hora de deixarmos as narrativas estéreis de lado e cobrarmos metodologias de ensino mais eficazes. A educação de qualidade começa em casa, se fortalece na escola e se transforma em progresso quando há comprometimento de toda a sociedade.

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