A inteligência artificial (IA) avançou em ritmo acelerado nos últimos anos e passou a influenciar diretamente não apenas o cotidiano das pessoas, mas também o funcionamento de empresas, fábricas, centros de ensino e a formulação de políticas públicas.
De simples assistentes virtuais a algoritmos capazes de interpretar padrões de comportamento, a IA saiu dos laboratórios de pesquisa e se integrou à vida real com velocidade surpreendente. E, com ela, vieram profundas transformações econômicas e sociais.
Leia a reportagem “O computador vivo”, da Edição 269 da Revista Oeste
Nos ambientes corporativos, a adoção de soluções inteligentes tornou-se estratégia prioritária para aumentar eficiência e reduzir custos. Empresas de todos os setores estão automatizando tarefas repetitivas, delegando a sistemas de IA funções como atendimento ao cliente, triagem de currículos, controle logístico e, até mesmo, análise jurídica. O resultado é uma reorganização acelerada do mercado de trabalho.
Setores como a indústria, o transporte e os serviços administrativos estão entre os mais impactados pela automação. Estimativas do Fórum Econômico Mundial indicam que 85 milhões de postos de trabalho devem ser extintos até o fim de 2025 em razão do uso crescente da IA.
No entanto, o mesmo relatório projeta a criação de 97 milhões de novas vagas. As principais áreas são aquelas que demandam qualificação específica, como ciência de dados, cibersegurança, desenvolvimento de software e engenharia de IA.
Esses cargos não apenas exigem conhecimento técnico, mas também habilidades de resolução de problemas, pensamento assertivo e adaptação constante.
“Enxergo esse processo como uma substituição de funções que o ser humano desempenha, especialmente aquelas tarefas repetitivas ou de esforço físico”, afirma o engenheiro aeroespacial Bernardo Vieira Magaldi, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). “Essas atividades estão sendo automatizadas, mas isso abre espaço para uma nova concepção de trabalho.”
Desigualdade se agrava com falta de acesso à educação digital
Estudos recentes mostram que o impacto da IA sobre o emprego é desigual e tende a ampliar a divisão entre colaboradores qualificados e os sem acesso à educação tecnológica. A Organização Internacional do Trabalho alerta que, sem investimentos em qualificação técnica, a digitalização tende a beneficiar apenas trabalhadores já capacitados.
Dados da consultoria McKinsey reforçam esse cenário: 14% da força de trabalho global deverá migrar para outras ocupações até 2030. Em países como o Brasil, onde a informalidade é alta e há limitação acesso à formação técnica, o risco de exclusão se acentua.
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Para Magaldi, a resposta a essa desigualdade está na educação: “A receita ainda é investir, desde cedo, na formação de crianças e jovens”, diz. “Esse aprendizado pode ser sistematizado, removendo os impactos negativos, como por exemplo a perda de concentração, e ganhando direção e propósito dentro da formação educacional.”
Com o uso disseminado da IA, surgem também desafios éticos e sociais. Sistemas inteligentes dependem da coleta massiva de dados pessoais para funcionarem com eficiência, o que levanta dúvidas sobre privacidade, segurança da informação e responsabilidade legal.
“A ciência de dados, e por extensão a inteligência artificial, já impactam profundamente a autonomia humana”, continua Magaldi. “O desafio atual está em garantir que essa crescente automação não comprometa a autonomia dos indivíduos, mas sim a fortaleça.”
Regulação da inteligência artificial avança no Brasil
No Velho Continente, o Conselho da Europa aprovou, em março de 2024, a primeira Convenção-Quadro sobre Inteligência Artificial, um marco regulatório que busca garantir que a IA respeite os direitos humanos e os valores democráticos nacionais. Já o Reino Unido criou o AI Safety Institute, com o objetivo de avaliar os riscos associados à tecnologia e estabelecer padrões para seu desenvolvimento seguro.
No Brasil, o debate sobre regulação também avança. O Projeto de Lei 2.338/2023, conhecido como Marco da Inteligência Artificial, foi aprovado pelo Senado em dezembro de 2024 e aguarda votação na Câmara dos Deputados.
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O texto classifica os sistemas de IA conforme o nível de risco aos direitos fundamentais e distingue entre aplicações de IA comum e IA generativa. Apenas essas últimas e os sistemas de propósito geral passarão por avaliação preliminar obrigatória.
Em paralelo ao trâmite legislativo, o governo federal tem atuado para orientar o setor público. Em fevereiro, o Núcleo de Inteligência Artificial lançou a cartilha IA Generativa no Serviço Público, com orientações práticas para o uso ético da tecnologia.

O material integra as ações da Infraestrutura Nacional de Dados, lançada dentro do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, que prevê R$ 1,76 bilhão em investimentos para modernizar serviços públicos e promover a interoperabilidade entre órgãos. A proposta é tornar a IA uma aliada do servidor público, com foco na produtividade e no atendimento ao cidadão.
“O Estado irá e precisa incorporar algoritmos na supervisão e formulação de políticas públicas, a fim de conseguir gerir melhor e mais rápido esses processos e ao mesmo tempo garantir transparência e ética no uso dessas ferramentas”, afirma Magaldi.
Uma disputa por futuro em ritmo acelerado
A corrida pela liderança em inteligência artificial já está em curso. Mas não se trata apenas de uma competição por inovação. O que está em jogo é quem terá as ferramentas para moldar o futuro do trabalho, garantir proteção social e preservar os princípios democráticos diante de tecnologias cada vez mais poderosas.
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“Ao meu ver, a educação tende a se afastar do modelo centrado exclusivamente no diploma formal, dando lugar a um processo contínuo de aprendizado”, diz Magaldi. “Isso cria um novo ecossistema de competências, em que as pessoas não apenas desenvolvem essas tecnologias, mas também aprendem a conviver com elas de maneira integrada ao cotidiano.”
Os países que conseguirem equilibrar investimento em educação, regulação eficaz e incentivo à inovação sairão na frente. Os demais correm o risco de ver sua população excluída das transformações que já estão em andamento.
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