Frio e congelamento inegáveis — parte II

No artigo anterior, citamos as notícias que circularam em meados de maio de 2025 sobre a recomposição da massa de gelo na Antártida e comentamos como esse padrão de baixas temperaturas já vinha ocorrendo desde o ano de 2007 em várias regiões do continente gelado — inclusive em seu setor mais “quente”, como é o caso do norte da Península Antártica. Na Ilha Rei George, pertencente ao arquipélago das Shetlands do Sul, esse mesmo ano de 2007 registrou temperatura média de -3,1 °C, uma das mais baixas desde 1986, 1980 e 1969. Também comentamos os acidentes náuticos ocorridos desde então.

Nesta continuação, citaremos outro incidente bastante curioso, ocorrido com o navio russo M/V Akademik Shokalskiy, também em 25 de dezembro, mas agora no ano de 2013. A embarcação foi fretada pelo cientista Chris Turney para levar sua equipe de trabalho, que tentava documentar o derretimento das geleiras e os efeitos nefastos do “aquecimento global” causado pela ação humana na região antártica. O navio levava equipes de reportagem para propagandear essa bravata. Afinal, além de “cientista”, Turney era dono da empresa “refinadora” de carbono Carbonscape. Que bela propaganda em causa própria!

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Para surpresa do mundo, o Akademik Shokalskiy emitiu seu pedido de socorro justamente no dia de Natal, quando a embarcação — de porte reforçado, afinal tratava-se de um navio russo desenvolvido para essa finalidade — ficou aprisionada em um espesso campo de gelo marinho. O aprisionamento ocorreu a mais de 150 quilômetros da estação antártica francesa Dumont d’Urville, localizada na costa da Terra Adélia, na Ilha dos Petréis (arquipélago de Geologia), nas coordenadas 66°39’49”S e 140°01’04”E.

Se Turney estivesse mais interessado em ciência do que em negócios, teria verificado que as temperaturas médias anuais do ar na estação francesa vêm caindo desde 1970. A maior temperatura média anual na região ocorreu em 1981, com -8,4 °C. Mesmo com uma variação interanual normal de até 2,0 °C, os baixos valores deveriam ser um bom indicativo para se atentar ao estado do mar, já que o gelo grosso é mais estável — embora o congelamento marinho anual apresente um padrão altamente variável e não linear a cada ano.

Engana-se quem pensa que o recorde se restringe ao início de 2014 | Foto: Divulgação/Oeste | Imagem ilustrativa
Engana-se quem pensa que o recorde se restringe ao início de 2014 | Foto: Divulgação/Oeste | Imagem ilustrativa

Ele também deveria ter observado a logística de desembarque de equipamentos e suprimentos na estação francesa, que, mesmo com seu poderoso navio quebra-gelo antártico M/V L’Astrolabe (comissionado em 2016, sucessor do antigo homônimo), ainda descarrega boa parte do material sobre a banquisa de gelo. Ali, uma corrente de tratores com rodas metálicas puxa composições de trenós carregando os materiais até a estação. Cargas mais leves são transportadas por helicópteros, penduradas externamente. Tudo isso em pleno verão antártico, quando as temperaturas no local podem permanecer abaixo de zero grau Celsius.

Antes mesmo desse infeliz incidente “de prova” do aquecimento, a revista Geophysical Research Letters, em 2009, já publicava que o derretimento do gelo tem fortes ligações com fenômenos tropicais de escala planetária, conectados com fenômenos extratropicais de igual magnitude — especialmente o El Niño–Oscilação Sul (Enos) e o Modo Anular do Hemisfério Sul (SAM). Em outras palavras: é a eficiência da troca energética entre os trópicos e os polos que determina com muito mais propriedade o avanço ou recuo do gelo — e não o “efeito estufa” e o CO₂. Na ocasião, entre 2008 e 2009, os meses de outubro a janeiro apresentaram o menor derretimento histórico dentro dos 30 anos avaliados pela pesquisa, com base em dados de satélite.

O recorde de frio

Mais adiante, segundo a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos EUA (NOAA), o inverno de 2013 teve cinco dias com marcas recordes de mar congelado na Antártida desde o início das medições por satélite, no fim da década de 1970. Já o Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo (NSIDC, EUA) registrou, no 37º dia de 2014, a maior extensão mínima de mar congelado de toda a série histórica — ou seja, foi o verão em que o mar menos derreteu. Na ocasião, os satélites mediram remotamente a menor temperatura do ar já registrada na Antártida: -93,2 °C (com margem de erro de +2,0 °C). A marca oficial de superfície ainda pertence à Estação Russa de Vostok, com -89,2 °C, registrada em 21 de junho de 1983, no interior continental da Antártida, a 3.460 metros de altitude, nas coordenadas 78°27′51″S e 106°50′14″E.

Engana-se quem pensa que o recorde se restringe ao início de 2014. Aquele foi um ano interessante, pois registrou a maior extensão de superfície congelada da Era dos Satélites: 20,156 milhões de quilômetros quadrados em 21 de setembro, superando a marca anterior dos anos 1980 (Fig. 1). Curiosamente, isso ocorreu apenas dois anos após a “marca recorde de descongelamento catastrófico” registrada em 2012. Como isso pode ocorrer em pleno “aquecimento global”? Relembremos que, em 2014, o Brasil registrou as mais altas temperaturas no verão, devido a um sistema de alta pressão estacionário que não se dissipou após a primavera de 2013. Novamente, o jogo de redistribuição de massa e energia entre trópicos e polos foi desconsiderado. E o gelo seguiu: o próprio NSIDC registraria maio de 2015 como novo recorde de congelamento do mar para esse mês.

Gráfico de mar congelado no setor antártico, obtido por dados de satélite. O ano de 2014 registrou a maior marca anual e diária, com o dia 21 de setembro alcançando mais de 20 milhões de quilômetros quadrados (linha vermelha). O ano de 2023 registrou a menor marca, destacada com linha pontilhada pela agência, além de descrição na legenda | Foto: Divulgação/Nsicd
Gráfico de mar congelado no setor antártico, obtido por dados de satélite. O ano de 2014 registrou a maior marca anual e diária, com o dia 21 de setembro alcançando mais de 20 milhões de quilômetros quadrados (linha vermelha). O ano de 2023 registrou a menor marca, destacada com linha pontilhada pela agência, além de descrição na legenda | Foto: Divulgação/Nsicd

Na área da Península Antártica, na Ilha Rei George, o mês de janeiro de 2015 encerrou-se com temperatura média do ar de -1,2 °C — a menor marca histórica para o mês, superando o recorde anterior de janeiro de 2014, quando a média foi exatamente zero grau Celsius. Esse recorde já havia superado o intenso frio de janeiros anteriores, como o de 1973, quando a Estação Russa Bellingshausen registrou 0,5 °C (houve ainda um registro de 0 °C em 1959, na antiga base britânica G). A menor mínima registrada em janeiro nesse setor ocorreu em 1993 e 1996: -5,2 °C na Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), do Brasil. Já a maior máxima de janeiro, com 16,7 °C, foi registrada em 1979 na estação Bellingshausen.

Se 2014 marcou o recorde de mar congelado, nove anos depois, segundo o mesmo NSIDC, tivemos a menor marca, registrada em 2023. Isso revela mais uma vez a enorme variabilidade do setor. Mais do que isso, ao consultarmos os gráficos, percebemos o “engajamento político” de agências que não se furtam a fazer propaganda de terrorismo climático. Note-se: o NSIDC faz questão de destacar o ano do recorde negativo, transformando um fenômeno natural em algo alarmante — mas não adota o mesmo destaque quando o recorde é positivo, como em 2014. Se estivéssemos na década de 1970, quando se falava em “resfriamento global”, adivinhe qual ano estaria em evidência? Pois é. São as conveniências das agências governamentais científicas que, muitas vezes, funcionam como departamentos de marketing dos governos que as financiam — como NASA, NOAA e ESA, entre outras. Além disso, participam ativamente da guerra de quinta geração, onde o discurso se torna uma arma poderosa nas mãos dos que desejam mais controle.

Antártida é outra história

O que ocorre na Antártida não deve ser interpretado apenas com base em mar congelado, navios encalhados e temperaturas costeiras. É preciso considerar também as temperaturas do interior, o balanço de massa, a deposição de neve, as medições por satélite e muito mais. Esses fatores são cruciais porque, em geral, as pessoas pensam que, por se tratar de um continente polar, tudo ali é igual: neve, gelo, frio, vento. Mas não é. Em uma área com mais de 14 milhões de quilômetros quadrados — que pode simplesmente dobrar em dois ou três meses —, o conceito de regionalização precisa ser aplicado quase de forma imperativa, especialmente para determinar as condições meteorológicas, os climas regionais e os fenômenos geofísicos. Só assim evitam-se distorções, sensacionalismos e abusos tão comuns na mídia, que os reproduz de agências e ONGs. Veremos isso com mais detalhes na próxima parte deste interessante momento.

O que ocorre na Antártida não deve ser interpretado apenas com base em mar congelado, navios encalhados e temperaturas costeiras | Foto: Divulgação/Oeste | Imagem ilustrativa
O que ocorre na Antártida não deve ser interpretado apenas com base em mar congelado, navios encalhados e temperaturas costeiras | Foto: Divulgação/Oeste | Imagem ilustrativa

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