Frio e congelamento inegáveis — parte III

Neste capítulo final, abordaremos as temperaturas interioranas, algumas avaliações de séries e a tão propagada reposição de massa Antártica observada por satélite; também faremos uma comparação com trabalhos que fizeram a verificação de balanço de massa em diversos locais a fim de validar simulações de alguns modelos.

Comecemos pelas temperaturas do ar observadas na estação norte-americana de Amundsen-Scott, localizada no Polo Sul geográfico. Em 2021, a média da temperatura do ar invernal nesta estação registrou –61,0oC, segundo o British Antarctic Survey (BAS). Essa média engloba um semestre intermediário constituído pelos meses de abril a setembro, ou seja, envolve o período completo de inverno, imerso pelo final do outono e início da primavera austrais. A marca anterior para esse padrão semestral ocorreu em 1987, com –60,6oC. Esta forma de “maquiar” dados climáticos não foi suficiente para esconder o novo recorde de mínima temperatura do ar invernal na estação dos EUA que, segundo o National Snow and Ice Data Center (NSIDC), dos Estados Unidos, alcançou a marca de –62,9oC. Essa tendência de diminuição no período invernal continua, contrariando as afirmações dos “checadores de fatos” da Reuters que não entenderam nada do que falaram na época, depois de terem consultado apenas a turminha da ala aquecimentista.

Entramos em contato com a Fundação Nacional de Ciências, a National Science Foundation (NSF), especificamente com seu escritório polar, e com o Programa Antártico dos EUA (USAP) para conseguirmos os dados brutos de temperaturas mínimas horárias diárias do período de inverno de 2021, mas, pela primeira vez, não obtivemos resposta até o fechamento deste artigo e tivemos que nos contentar com o que foi divulgado em forma de médias.

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Lembremos que as baixas temperaturas ocorrem durante o inverno, quando o local fica 24 horas no escuro. A menor mínima na latitude do Polo Sul, em Amundsen-Scott, ocorreu em junho de 1982, registrando –82,8oC. A maior só pode acontecer no alto verão, quando o Sol permanece 24h acima do horizonte. O recorde de máxima ocorreu em 25 de dezembro de 2011, com –12,3oC. Quanto às temperaturas do ar, médias anuais mais frias, o ano de 2021 ficou com o terceiro lugar, com –50,5oC, empatando com o ano de 1999. A média anual mais fria ocorreu em 1983, com –51,0oC, seguida por 1987, com –50,6oC. Seria um ciclo análogo ao verificado no início dos anos de 1980? Temperaturas baixas e mar congelado apresentaram padrões semelhantes e deveriam chamar a atenção, especialmente em pleno “aquecimento global”, pois evidências não corroboram a hipótese, ou melhor, o mundo real não ajuda o discurso. Não seria possível observar algo cíclico com uma tendência definida como somente positiva.

Conseguir dados na Antártica não é nenhuma tarefa fácil, e a Universidade de Wisconsin-Madison, EUA, tem feito uma proeza hercúlea em manter uma rede de Estações Meteorológicas Automáticas (Automatic Weather Station – AWS) de forma on-line, com links de satélites. Atualmente são 58 estações funcionando, espalhadas por vários locais antárticos. Embora a maior concentração esteja na plataforma do mar congelado de Ross, dada a facilidade de se utilizar a estação dos EUA de McMurdo (77o50’53”S e 166o40’06”E), na Ilha de Ross, como apoio ao serviço de manutenção, a universidade ainda tem vários sítios continentais bastante importantes em latitudes bem além de 85oS, as mais próximas de Amundsen-Scott possíveis. Também mantém estações no domo Fuji, Terra de Adélie e uma próxima ao Lago Vostok, todas na Antártica Oriental. Na área ocidental, há uma maior distribuição ao norte da cordilheira de montanhas Transantárticas.

Lago Vostok, na Antártica

Para quem acompanha os trabalhos operacionais da rede, ficou notória a intensa reposição de massa através da precipitação de neve nestes últimos anos. Quase todas as estações, ao serem visitadas para manutenção durante o verão antártico, apresentavam as suas torres literalmente soterradas pela neve, deixando praticamente apenas o abrigo dos instrumentos e o grupo medidor de ventos (anemômetro e anemoscópio) para fora. O mais impressionante foi que isso aconteceu em intervalos de um ou dois anos. Assim, conforme a estação, torres de 3 a 5 metros de altura ficaram com apenas 1,5 m a 2,0 m para fora, dependendo da região. Como estão em lugares bastante planos, conseguimos então estimar a quantidade colossal de reposição de massa que houve entre esses últimos cinco anos, mas que já foi coletada desde 2009, no fim do 3º Ano Polar Internacional.

Então como a Antártica poderia registrar a colossal quantidade de neve em pleno “aquecimento global escaldante”, onde o ar se tornou “irrespirável”, como costuma gazetear o secretário-geral da ONU, o português Antonio Guterrez? Esse não é um problema de fácil explicação, pois nem sequer a ciência sabe definir o que realmente está a ocorrer. Diversos trabalhos científicos isentos desse ranço político-ambiental-climático dizem coisas bem diferentes do discurso do formato alarmista, inclusive propagado por agências governamentais como dos EUA, mas especialmente as da Europa.

Vejamos as medições realizadas pelo satélite Grace e Grace FO que pertencem à Agência Espacial Europeia (ESA), a qual escancara seu ativismo ambiental. Foi justamente daqui que saíram as informações referentes às notícias que propagaram uma mudança positiva na Antártica quanto à sua reposição de massa.

O Grace é um satélite muito novo e que faz medições de massa indiretas com o uso de gravímetro. Foi lançado em 2002 e sua série de dados, embora tenha 23 anos, é permeada de falhas. O satélite opera em uma órbita muito baixa, entre 350 km e 500 km para que seu instrumento tenha alguma utilidade, o que lhe faz “raspar” a alta ionosfera (atmosfera superior), causando diversos problemas operacionais, inclusive eletrônicos. Não é à toa que suas medições apresentem erros na ordem de 50% a 60% para mais ou para menos até hoje! É difícil discernir o que é informação de ruído, portanto precisa de espaços amostrais enormes.

Outro ponto em questão foi a marca “zero” do equipamento, algo de que pouco se falou. O satélite faz medições, mas as variações precisam ser comparadas a uma referência de forma a ser possível arriscar uma avaliação de quando houver um ganho ou perda de massa, ou as chamadas “anomalias”. Assim sendo, a referência foi dada como as medições iniciais que não podemos afirmar se ocorreram em um período de maior ou menor massa antártica. Isso é um problema bastante significativo, especialmente quando a estimativa de massa total oscila entre 27 milhões e 30 milhões de quilômetros cúbicos, ou seja, uma eternidade de gelo.

Curiosamente, assim que foi lançado, não ouvimos um grito sobre o crescimento do gelo inicial de 2002, 2004 e 2007 medidos pela referência do instrumento, mas a primeira notícia veiculada sobre ele saiu em 2009, relatando a pesquisa da equipe de Jianli Chen, cujo teor observara uma perda da “espessura” da camada de gelo na Antártica Oriental “a partir de 2006”. Vale lembrar que isso foi divulgado poucos dias antes da conferência climática de Copenhague (COP15, 2009), com intuito claramente político.

Na ocasião, Chen divulgara que dos 132 quilômetros cúbicos medidos como “perda”, 57 km3 seriam referentes à Antártica Oriental. Também avisou que a medida apresentava um “errinho” de 52 km3, tanto para mais, como para menos, como comentamos anteriormente. Para piorar, se era o ano de 2009, eles omitiram propositalmente, na mesma ocasião, que no ano seguinte, 2007, a reposição havia sido maior que a tal “perda” de 2006. Então, tivemos três anos de ganho contra apenas um de perda, e nada foi falado. Contudo, o problema do Grace ainda era muito pior. Os primeiros dez anos de medição de um equipamento como esse são altamente experimentais e precisam ser validados com alvos reais legítimos, caso contrário, não passam de especulação, especialmente sem se entender o “zero”, como comentamos anteriormente.

Professor Roger Pielke Jr., cético do ‘aquecimento global’ | Foto: Reprodução/YouTube

O meteorologista norte-americano Roger Pielke Jr., Ph.D. especialista em furacões e sucessor direto do emérito professor William Mason Gray (1929-2016) — ambos plenos céticos ao discurso sensacionalista climático — escreveu importante artigo referente ao crescimento da massa da Antártica. Na ocasião, ele expôs o quanto ainda não conhecemos sobre os mecanismos do sistema climático para fazermos afirmações relacionais tão contundentes. Ele é um dos especialistas na área de meteorologia tropical, uma das mais conturbadas da área, mas expressou muito bem o quanto a meteorologia extratrópicos e polar ainda são pouco compreendidas.

Uma coisa que Pielke não abordou, creio que por não ser da sua área de atuação, foram as questões referentes justamente à validação dos dados. Um trabalho executado pela equipe do cientista holandês J. Lenaerts, do Instituto de Pesquisa Marinha e Atmosférica da Universidade de Utrecht, demonstrou com medições in situ (no local) em diversos sítios na Antártica, inclusive nos locais descritos anteriormente por Chen, que não havia nada de errado com o balanço de massa na Antártica. Esse estudo foi publicado em 2012, portanto, no período pós-avaliação do Grace.

O que havia era uma grande variabilidade interanual, incluindo a queda de neve para reposição de massa, derretimento de gelo e sublimação, especialmente ligados aos elementos atmosféricos que dominassem o período e as regiões. As avaliações da equipe de Lenaerds foram realizadas justamente para tentar validar seus modelos de balanço de massa antártica, cujos valores são cerca de 20 vezes maiores do que a pior marca obtida por Grace. Em outras palavras, eles demonstraram que em apenas um mês pode precipitar mais neve no continente do que Grace avaliou como perda em um ano!

Sobrevoo de equipe da British Antarctic Survey (BAS) na Antártica

Mas claro que essas informações não estão na mídia. Como também não está a informação de que a pesquisa que Wei Wang fez com os dados do Grace já apontava a reposição de massa desde 2021. Por que esperaram quatro anos para ventilá-la? Efeito Trump? Os leitores da mídia tradicional também não vão saber que outro trabalho pretérito de Zhu e sua equipe reanalisou as tendências de temperaturas das estações na Antártica, tanto da área costeira, quanto continental e verificou que a maior parte das que apresentavam dados completos, em longas séries, indicaram uma neutralidade ou um leve resfriamento. As exceções foram poucas, reforçando o aspecto regional.

Agora, a pergunta que não quer calar: quanto representa a perda ou o ganho de massa medido por Grace no tocante ao total de gelo continental antártico? Só essa questão é que interessa. Sendo bastante conservador, com poucos cálculos verificamos que a tal perda ou ganho de massa “medido” estão na ordem de 0,0004% de variação anual, ora para mais, ora para menos (lembrando, ainda com erros de 50%). Em outras palavras: se, de fato, estão a medir algo, a única coisa que fizeram foi estimar a variabilidade anual do gelo do gigantesco continente! Ah, supondo uma perda de 142 gigatoneladas de massa por ano, demoraria por volta de 190 mil anos para acabar com o gelo por lá. Como não existe uma tendência infinita de perda, mas uma variabilidade entre ganho e perda, concluímos que não vai ser tão cedo que teremos uma praia em São Bernardo do Campo (SP). Aliás, o IPCC já havia comentado sobre isso no seu Quarto Relatório (AR4, 2007), inclusive afirmando qual temperatura realmente seria preocupante para isso acontecer, o que está totalmente além das nossas atuais, em especial, na Antártica!

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