O triste acontecimento de 13 de novembro, objetivamente falando, foi que um infeliz compatriota resolveu cometer suicídio explodindo-se na Praça dos Três Poderes. Poderia mesmo movê-lo um sentimento de raiva contra as autoridades do país, contra os deputados brasileiros, contra os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Certamente o moviam seus próprios problemas psicológicos. Nada justifica o que fez. Lamentamos por isso e nos solidarizamos com quem houver sido afetado por essa tragédia, esse desfecho tão deplorável para uma biografia.
Para o país, porém, o mais trágico foi o espetáculo circense que sobreveio. Não nos parece necessário enfatizar uma vez mais que os “vândalos” armados com estilingues e bolinhas de gude do 8 de janeiro de 2023 não dispunham de nenhuma condição de derrubar aqueles que então estavam — e ora estão — no poder e que o Brasil não passou nem perto de um golpe ou revolução naquele dia.
Já o dissemos por vezes demais e deveria ser óbvio para qualquer um com senso de proporções e de realidade. Não apenas os ministros do STF, porém, retomaram essa esquizofrênica narrativa de que as instituições nacionais estiveram por um fio e foram salvas por suas providenciais intervenções como vincularam o evento do dia 13 àquela ocorrência já distante, bem como a um suposto profundo mal-estar de nosso tempo — como se suicídios e fanatismos fossem uma absoluta novidade.
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O pensador pacifista Luís Roberto Barroso, em seu nobre discurso, foi o primeiro a resgatar a mitologia do 8 de janeiro ao asseverar que o 13 de novembro demonstrou a necessidade de punição severa dos culpados para pacificação do país. Perguntou-se ainda, filosofando, “onde foi que nós perdemos a luz da nossa alma afetuosa, alegre e fraterna para a escuridão do ódio, da agressividade e da violência” (que o digam as Revoltas Federalistas do Rio Grande do Sul, a Revolução Constitucionalista de 1932, a luta armada no período militar e tantos outros casos de nossa História que desmontam facilmente tal imagem idílica).
Defendeu a necessidade de uma “pequena revolução ética e espiritual” para a nação e garantiu que o Supremo Tribunal Federal nunca se furtará de defender a Constituição e a convivência democrática, respeitando o espaço de todas as opiniões. Nem parecia aquele orador entusiasmado que subiu ao palco em evento da União Nacional dos Estudantes para se envaidecer de ter sido um dos protagonistas na luta para derrotar o bolsonarismo — como se o campo de batalha político coubesse a um magistrado!
Barroso, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes
Depois do pronunciamento desse filósofo da paz, foi a vez do comentarista político e investigador policial Gilmar Mendes. Em sua fala, ele criticou o governo federal anterior, sentenciando que foi responsabilidade da gestão Bolsonaro estimular “o discurso de ódio, o fanatismo político e a indústria de desinformação”, bem como o “sectarismo infértil” que levaram até este estado de coisas.
Inequivocamente, indubitavelmente, inquestionavelmente, a explosão de 13 de novembro é um capítulo de uma história mais antiga, disse Mendes, mediante a qual “a ideologia rasteira que inspirou o golpe de Estado” se desenvolveu. O trágico evento foi “mais um ataque às instituições democráticas do nosso país”. Por sua vez, Alexandre de Moraes garantiu que “o que ocorreu (…) não é um fato isolado”, pois teve um contexto iniciado “quando o famoso gabinete do ódio começou a destilar discurso de ódio contra as instituições, contra o Supremo Tribunal Federal, principalmente”.
Filósofos verborrágicos, comentaristas políticos, militantes partidários, investigadores policiais apurando a natureza de casos violentos; ministros do Supremo Tribunal Federal, na função de juízes que discretamente zelam pelo império da lei e da Constituição? Procuram-se esses tais, pois foram tudo o que não se encontrou nessa abertura de sessão que mais pareceu uma espécie de propaganda orquestrada da “intervenção redentora” da toga.
Para além do Supremo Tribunal Federal
Não faz muito tempo, Donald Trump foi baleado nos Estados Unidos. A pregação apocalíptica dos formadores de opinião “progressistas” naquele país diante da hipótese de seu triunfo eleitoral não foi acusada pelos nossos analistas de toga e nossos formadores de opinião de esquerda no Brasil de estar destruindo a democracia americana em função daquele ato violento.
O próprio Jair Bolsonaro, por sua vez, para nos voltarmos a um caso nacional, sofreu a notória facada de Adélio Bispo em 2018. Em ambas as ocasiões, ocorreram atentados à democracia — e contra aqueles que os pensadores e comentaristas que vimos falando na tarde do dia 14 acusariam de serem os fomentadores da cizânia e da violência.
Vimos ministros de nossa Suprema Corte fazendo empolados discursos sobre como a civilização está desmoronando e a paz e o amor só virão se lhes permitirmos, sem contestação, sem protesto — e assim podemos traduzir com crueza o que certamente queriam dizer —, exercerem as nobres tarefas de determinar a “educação” das redes sociais, a “poda” de revistas como a Crusoé ou a multiplicação do ativismo judicial para suprir a inação dos malfadados representantes eleitos do povo, que estão ameaçando o bom funcionamento da democracia porque não fazem tudo o que os editores do país desejam.
Se há algum discurso que estimule irresponsavelmente reações dos fanáticos e desequilibrados, é esse tipo de retórica surrealista. Ao preferirem brilhar nas manchetes a se aterem aos seus papéis, os ministros do STF não colaboram para a garantia do Estado de Direito que querem sustentar. Devemos nos manifestar contra qualquer tentativa de policiar ainda mais as nossas consciências explorando essa tragédia individual. A liberdade e a discussão aberta de ideias são e sempre serão o caminho para lidarmos com nossas diferenças.
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