(*) por Amanda Flávio de Oliveira
Os isentões têm sido objeto de memes já há algum tempo. À parte a brincadeira, é mesmo complicada a posição daqueles que se dizem “de centro”.
Parece evidente que se pode classificar os participantes do debate político atual, pelo menos no Brasil, em três grandes grupos, todos eles muito confiantes de suas posições: aqueles que se orgulham de ser de esquerda, os que se orgulham em se dizer de direita e os que são resolutos em sua definição por ser “de centro”.
O fato nos convida a algumas reflexões.
A primeira é a novidade que representa, de alguma forma, a expressão pública de quem se envaidece de ser de direita. Até há pouco tempo, apenas a esquerda dominou o setor do orgulho político, e bradou para quem quisesse ouvir sua condição de paladinos da virtude.
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Talvez a polarização que se advirta existir nos dias atuais no país e à qual se atribui grandes males não seja exatamente uma invenção dos novos tempos. Mais provável é que ela sempre tenha existido, e o respectivo embate de concepções de mundo também. A diferença é que o campo do debate público sempre foi ocupado pela esquerda. O que há de diferente agora é o acesso da direita a espaços com força de disseminação de ideias que antes não alcançava. A novidade, portanto, foi a popularização da comunicação em massa fora dos circuitos tradicionais, não a existência da direita, de seus ideais e de suas convicções.
A segunda reflexão que se apresenta é a curiosa satisfação com que gente séria prefere se intitular “de centro”. Ser de centro é uma espécie de não-ser, de preferir se abster de um debate que a ele também importa, correndo o risco de revelar-se, publicamente, de alguma forma, covarde, por não se posicionar firmemente, oportunista, por não querer se indispor com nenhum dos dois lados, ou arrogante, por se considerar elevado demais para se envolver com radicalismos.
O que é a direita e o que é a esquerda
É fato que a própria definição do que é direita e o que é esquerda não é exatamente simples. Em um esforço de contribuição para o debate e as escolhas pessoais, sugere-se que se considere como critério a intensidade da relação do estado com o indivíduo. Certa feita uma autoridade pública assim estabeleceu a distinção: quem prefere o estado e tolera o indivíduo (e as escolhas individuais) é de esquerda. Quem prefere o indivíduo (e suas escolhas) e tolera o estado é de direita. A proposta é boa. E não deixa espaço para isenção.
Alguns estudos, contudo, nos indicam que ser “de centro” possa ser uma escolha racional. Especificamente em tempos de eleições, revelar-se “de centro” pode indicar uma baixa aversão ao risco e a preferência por estabilidade política. Essa percepção acaba sendo captada pelos partidos políticos, que tentam se aproximar desse perfil, considerando seu papel crucial para a vitória nas urnas. Celebra-se, assim, a prevalência do pragmatismo às próprias convicções.
O que diz Ayn Rand
Ayn Rand, em imperdível entrevista à revista Playboy, em março de 1964, reafirmando uma das teses que sustenta em seu clássico A Revolta de Atlas, fez uma provocação incômoda e difícil de ser esquecida por quem a lê. Em sua concepção, a vida é, sim, binária, e as escolhas humanas se dão entre o certo e o errado: “E quando você estabelece que uma alternativa é boa, e a outra má, não há justificativa para escolher uma mistura. Não há justificativa para escolher qualquer parte do que você sabe ser mal”. O centro, para ela, seria uma mistura dos dois lados, e preferi-lo é admitir um pouco daquilo que se sabe ser mal.
Rand tem um ponto. Abster-se de se posicionar não te exime da responsabilidade pela relativização dos seus próprios valores. Eis o preço alto a ser inevitável e individualmente pago por isentões.
Amanda Flavio de Oliveira é doutora em Direito Econômico pela UFMG. Já ocupou diversos cargos públicos na administração pública federal. Atualmente é advogada em Brasília.
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