Benito Liao, representante de Taiwan no Brasil: ‘Somos um país soberano’

Ampliar a relação do Brasil com Taiwan, apesar de o governo brasileiro não reconhecer a ilha como nação soberana e independente do regime comunista que controla a China continental. Essa é a missão do diplomata Benito Liao desde novembro de 2023, quando assumiu o cargo de representante oficial do governo de Taipé no país.

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Em seu mais de um ano de trabalho, Liao demonstra confiança em cumprir com êxito seus desafios. Para ele, há três pilares que podem ajudar na cooperação entre os dois países: economia, cultura e tecnologia. Nesse sentido, lembra que Taiwan é referência na produção de semicondutores, tendo interesse em cooperar com a fábrica de chips do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), em Porto Alegre.

Mesmo entusiasmado com as suas atividades no país, o diplomata critica, mesmo que de forma indireta, o atual governo brasileiro. Para Liao, a equipe sob comando do presidente Luiz Inácio Lula da Silva acaba por aceitar a pressão do Partido Comunista da China, que há décadas ameaça invadir a ilha para assumir seu comando econômico e político. Em janeiro, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil ignorou a eleição de Lai Ching-Te como presidente taiwanês e ainda aproveitou para afirmar que há “uma só China” — e tendo os comunistas como representantes legais.

“A pressão de Pequim sobre outros países para reafirmar o princípio de ‘uma só China’ denota a insegurança do regime comunista”

“A pressão de Pequim sobre outros países para reafirmar o princípio de ‘uma só China’ denota a insegurança do regime comunista”, diz Liao. “Falta autoconfiança à China continental. Por isso, uma e outra vez, pedem ao governo estrangeiro que confirme que só existe uma China, que Taiwan é parte da China. Mas isso não é verdade, porque existe a China e existe Taiwan. Não se pode negar que somos um país soberano.”

Ciente de que Taiwan tem de lidar com a contínua ameaça de invasão por Pequim, Liao conta a Oeste que vê a resiliência do povo de seu país e a defesa das liberdades e dos valores democráticos como exemplos a serem seguidos em todo mundo. Nesse sentido, aproveita para aconselhar o povo brasileiro. “É crucial que os cidadãos considerem cuidadosamente as implicações das ideologias políticas em qualquer eleição”, avalia o diplomata taiwanês. “Deve-se analisar as propostas e as plataformas dos candidatos, avaliando como essas políticas podem afetar os direitos individuais, a liberdade e o bem-estar da sociedade como um todo.”

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Benito Liao, durante apresentação em evento. Brasil não reconhece Taiwan como nação livre, mas isso não impede seu trabalho no país | Foto: Divulgação/Escritório de Taiwan no Brasil

A seguir, os principais trechos da entrevista com Benito Liao.

O senhor assumiu a função de representante do governo de Taiwan no Brasil no fim de novembro de 2023. Como foi o seu primeiro ano de trabalho?

Durante este período inicial, tenho dedicado tempo para me familiarizar com as nuances da política e da cultura brasileira, além de estabelecer contatos importantes nos círculos empresariais do Brasil. Estabelecer uma sólida rede de contatos e compreender os interesses e as prioridades do Brasil é fundamental para o sucesso da nossa missão.

Inicialmente, o senhor falou sobre o interesse de ampliar a cooperação entre Taiwan e Brasil, sobretudo nas áreas de economia e cultura. De quais formas essa cooperação pode ser amplificada?

No âmbito econômico, podemos explorar oportunidades de investimento mútuo e facilitar o comércio entre Taiwan e Brasil. Isto pode ser feito por meio da promoção de missões comerciais, realização de feiras e exposições conjuntas, bem como estímulo à participação de empresas taiwanesas em projetos e parcerias estratégicas no Brasil. Em relação à cultura, podemos promover intercâmbios mais intensos, incluindo a organização de eventos, intercâmbio de artistas e exposições de arte. Isso ajudará a fortalecer os laços entre os dois povos.

O que pode ser feito no campo da tecnologia?

Taiwan é amplamente reconhecida internacionalmente por sua inovação e conhecimento especializado em áreas como tecnologia da informação, semicondutores e biotecnologia, só para citar algumas possibilidades. Podemos, ainda, explorar oportunidades de cooperação com a fábrica de chips do Ceitec. A parceria entre empresas taiwanesas e brasileiras pode se dar em pesquisa, desenvolvimento, compartilhamento de conhecimento e transferência de tecnologia.

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De acordo com Benito Liao, Taiwan tem muito a oferecer ao Brasil | Foto: Divulgação/Escritório de Taiwan no Brasil

Em termos diplomáticos, o Brasil não tem relação com Taiwan e, consequentemente, não reconhece a nação como um país livre (soberano) e independente. Isso é um impeditivo ao seu trabalho?

A falta de relações diplomáticas formais não impede o estabelecimento de laços substanciais de cooperação entre ambos. Um exemplo disso é que outros países, como os Estados Unidos, o Japão e a Austrália, também não mantêm relações diplomáticas formais com Taiwan. Apesar disso, têm relação significativa e de cooperação em várias áreas, incluindo tecnologia, comércio, defesa geopolítica e promoção da democracia global. A cooperação entre Taiwan e o Brasil pode se basear em interesses comuns, como o fortalecimento do comércio bilateral, a promoção da cultura e o intercâmbio educacional, assim como a colaboração em áreas estratégicas como tecnologia e inovação.

Nenhum representante do governo brasileiro comentou a eleição de Lai Ching-Te como presidente de Taiwan, em janeiro de 2024. Na véspera da eleição, Lula afirmou que “o governo da República Popular da China é o único governo legal que representa toda a China, enquanto Taiwan é uma parte inseparável do território chinês”. Como o senhor define essa postura por parte do presidente brasileiro, de publicamente se alinhar com o que Pequim defende?

A República da China (Taiwan) é democrática, com seu próprio governo, instituições e identidade nacional. O professor Chong Ja Ian, da Universidade Nacional de Singapura, revisou documentos oficiais de cada país citado pela China continental. A análise destaca que apenas 51 países atendem plenamente à definição de “uma só China”, conforme Pequim a define. Isto evidencia que a perspectiva internacional sobre a questão é diversificada, com muitos países não concordando plenamente com a reivindicação da China sobre Taiwan. O posicionamento alinhado à política de “uma só China” não muda o fato de que Taiwan é uma entidade política independente e soberana.

Postura como essa do governo brasileiro, em enfatizar que a República Popular da China deveria controlar Taiwan, pode prejudicar a independência da ilha?

A pressão de Pequim sobre outros países para reafirmar o princípio de “uma só China” denota a insegurança do regime comunista. Falta autoconfiança à China continental. Por isso, uma e outra vez, pedem ao governo estrangeiro que confirme que só existe uma China, que Taiwan é parte da China. Mas isso não é verdade, porque existe a China e existe Taiwan. Não se pode negar que somos um país soberano. O turista brasileiro que vai viajar para Taiwan precisa solicitar um visto para Taiwan. Não há vistos para Taiwan nos consulados da China continental. Isso demonstra a grande realidade.

O senhor teme a possibilidade de Pequim tentar, por meio de ações militares, tomar o controle de Taiwan?

A situação geopolítica na Ásia, com as atividades militares e as ameaças percebidas por parte da China continental, é motivo de atenção e de preocupação. Taiwan, ao longo de décadas, tem enfrentado desafios à sua soberania e à sua democracia, especialmente diante das ameaças militares e táticas híbridas provenientes da China. Acreditamos que a defesa da democracia é um compromisso constante, e não estamos sozinhos neste esforço. É encorajador notar que cada vez mais países europeus expressam interesse em colaborar conosco. A cooperação internacional é fundamental para fortalecer nossa posição e resistir às pressões externas.

Como representante de um país que há três eleições seguidas elege para a Presidência da República membros do Partido Democrático Progressista, que defende as liberdades individuais e a economia de mercado, quais conselhos o senhor daria àqueles brasileiros que pensam em votar em políticos que defendem o conceito de comunismo e socialismo? 

Essencial destacar a resiliência e a determinação do povo taiwanês em proteger suas liberdades individuais, valores democráticos e sistema de economia de mercado. A democracia taiwanesa é um exemplo vibrante de como uma sociedade pode prosperar e se desenvolver, mesmo sob ameaças externas de regimes autoritários. Enfrentamos desafios significativos ao longo das décadas, incluindo a contínua ameaça de provocação pelo Partido Comunista Chinês. No entanto, o povo taiwanês permanece firme em sua determinação de preservar sua liberdade, democracia e soberania. É crucial que os cidadãos considerem cuidadosamente as implicações das ideologias políticas em qualquer eleição. Deve-se analisar as propostas e as plataformas dos candidatos, avaliando como essas políticas podem afetar os direitos individuais, a liberdade e o bem-estar da sociedade como um todo.

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