Cid mudou versão sobre trama sob ameaças de prisão de Moraes

A quebra do sigilo da delação premiada de Mauro Cid nesta quarta-feira, 19, revela que o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro alterou sua versão sobre aspectos centrais do suposto esquema golpista durante uma audiência em que o ministro Alexandre de Moraes ameaçou prendê-lo, cancelar o acordo de colaboração e avançar em investigações que poderiam envolver seus familiares.

No dia 21 de novembro de 2024, o tenente-coronel compareceu ao Supremo Tribunal Federal sob pressão, depois de um pedido da Polícia Federal e um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) que recomendava sua prisão por violação dos termos do acordo de delação.

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A audiência foi presidida pelo próprio Moraes, que abriu sua fala com as seguintes palavras: “Vamos começar de forma bem direta, o que caracteriza o meu estilo”. Em seguida, Moraes deixou claro que aquela era a “última chance” para que Cid falasse a verdade.

Naquela ocasião, o tenente-coronel declarou que uma reunião realizada em novembro de 2022 na residência do general Braga Netto — que foi candidato a vice-presidente na campanha de reeleição de Bolsonaro — tinha como propósito criar um “caos social”, o que justificaria uma intervenção das Forças Armadas para manter o presidente no poder.

Antes, o tenente-coronel afirmava que a reunião era apenas um encontro casual de militares que desejavam tirar fotos com Bolsonaro e Braga Netto.

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O ex-presidente Jair Bolsonaro ao acompanhar sua mulher, Michelle, no embarque dela aos Estados Unidos – 18/1/2025 | Foto: Mateus Bonomi/Estadão Conteúdo

Cid também alterou sua explicação sobre a saída antecipada do encontro dos tenentes-coronéis Rafael de Oliveira e Hélio Ferreira Lima com Braga Netto, ocorrido em 12 de novembro de 2022. A princípio, ele alegou que deixou a residência de Braga Netto porque tinha compromissos a cumprir no Palácio do Alvorada.

No entanto, em seu depoimento a Moraes, Cid admitiu que foi o próprio Braga Netto quem solicitou que ele se retirasse de sua casa, depois de os militares presentes começarem a discutir planos de conspiração contra Lula.

“Quando entrou no nível das ideias, Braga Netto interrompeu e falou assim: ‘Não, o Cid não pode participar, tira o Cid porque ele está muito próximo ao Bolsonaro'”, disse.

O delator afirmou que, durante o encontro na casa de Braga Netto, foram discutidas estratégias para gerar tumulto e, assim, forçar as Forças Armadas a apoiar o golpe de Estado supostamente planejado por Bolsonaro e seus aliados.

Braga Netto, ex-ministro da Defesa do Brasil | Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

“Na reunião se discutiu novamente a necessidade de ações que mobilizassem as massas populares e gerassem caos social, permitindo, assim, que o presidente assinasse o Estado de defesa, Estado de sítio ou algo semelhante”, diz o termo da reunião.

Cid também alterou sua explicação sobre as mensagens recebidas em seu celular, nas quais militares solicitaram R$ 100 mil no final de 2022. A princípio, ele afirmou que o pedido era feito quase como uma brincadeira e que o objetivo seria financiar a ida de pessoas para os acampamentos em frente ao Quartel-General do Exército. No entanto, durante a audiência com Moraes, ele mudou sua versão e declarou que não sabia o motivo exato por trás da solicitação de dinheiro.

Ele declarou que, diante das informações reveladas pela investigação, acreditava que o valor poderia ser destinado a ações contra Moraes — como possíveis planos de prisão ou assassinato do magistrado, conforme previsto no chamado plano Punhal Verde Amarelo.

Cid também relatou que tentou obter os R$ 100 mil junto à direção do Partido Liberal (PL), mas o repasse foi recusado. Posteriormente, segundo sua versão, Braga Netto conseguiu o dinheiro com “pessoas ligadas ao agro” e pediu que ele entregasse o valor ao tenente-coronel Rafael de Oliveira. O dinheiro em espécie teria sido transportado em uma sacola de vinho.

Alexandre de Mores, durante sessão no STF – 05-12-2024 | Foto: Bruno Perez/Agência Brasil

O termo da audiência registra que Moraes informou ter recebido provas adicionais da Polícia Federal que contradizem depoimentos anteriores do colaborador. Segundo Moraes, o depoente tentou “minimizar a gravidade dos fatos” em suas declarações.

“O ministro relator ainda esclareceu que se as omissões e contradições não forem sanadas, nos termos da legislação vigente, isso poderá acarretar a decretação da prisão preventiva e a rescisão do acordo de colaboração premiada, com efeitos não só para o colaborador, mas também em relação ao seu pai, sua esposa e sua filha maior”, diz o termo.

Moraes ameaça Cid de prisão

A fala de Moraes também está transcrita nos autos da delação. “Eu gostaria de fazer um breve resumo, para demonstrar a importância dessa audiência, especialmente para o colaborador”, diz o ministro, que passa a destacar as contradições entre os depoimentos anteriores de Cid e as evidências coletadas pela PF durante a investigação, com foco no plano Punhal Verde Amarelo.

“O colaborador tem também não só benefícios, mas também obrigações”, diz Moraes. “E as obrigações, a maior delas é não se omitir, não se contradizer. Não há, na colaboração premiada, essa ideia de que só respondo o que me perguntam”, completa o ministro, que acrescentou que Cid disse “uma série de mentiras”.

Nesse momento, Moraes eleva o tom e menciona as possíveis consequências não apenas para Cid, mas também para sua família. “Já há o pedido da Polícia Federal, já há o parecer favorável da Procuradoria-Geral da República, pela imediata decretação da prisão, do retorno à prisão do colaborador”, diz o magistrado.

Moraes fala, então, na necessidade de Cid fazer “uma reflexão maior” para esclarecer omissões e contradições sob pena de prisão e de rescisão da colaboração. Esta ação incluiria “a continuidade das investigações e responsabilização do pai do investigado, de sua esposa e de sua filha maior”, segundo o texto.

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