A Agência Brasileira de Inteligência (Abin), durante o atual governo Lula, executou uma ação hacker contra autoridades do Paraguai. O planejamento da operação teria começado ainda na gestão da agência no governo Bolsonaro, mas a execução aconteceu sob a autorização do atual diretor da Abin, Luiz Fernando Corrêa, segundo apuração do portal Uol.
A invasão teve como alvo computadores do governo paraguaio e o objetivo era obter informações sigilosas sobre a negociação de tarifas da usina hidrelétrica de Itaipu, uma questão comercial de longa data entre os dois países.
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O episódio foi descrito detalhadamente em depoimento prestado à Polícia Federal por um servidor da Abin que participou da operação. Um segundo agente confirmou a existência da ação à PF, e uma terceira fonte com acesso às informações corroborou os fatos.
Segundo o depoimento, a operação resultou na captura de dados de diversos integrantes da alta cúpula do governo paraguaio. A ação aconteceu meses antes da conclusão de um novo acordo, em maio de 2024, sobre os valores pagos ao Paraguai pela energia vendida ao Brasil. O agente não esclareceu se as informações obtidas influenciaram as negociações.
Agora, a Polícia Federal investiga se a operação foi ilegal. Nesta segunda-feira, 31, o Ministério das Relações Exteriores afirmou, em nota, que a ação foi planejada e autorizada pelo governo anterior.
Leia a nota completa do governo Lula sobre o ataque hacker ao Paraguai
“O governo do Presidente Lula desmente categoricamente qualquer envolvimento em ação de inteligência, noticiada hoje, contra o Paraguai, país membro do Mercosul com o qual o Brasil mantém relações históricas e uma estreita parceria. A citada operação foi autorizada pelo governo anterior, em junho de 2022, e tornada sem efeito pelo diretor interino da Abin em 27 de março de 2023, tão logo a atual gestão tomou conhecimento do fato.
O atual diretor-geral da Abin encontrava-se, naquele momento, em processo de aprovação de seu nome no Senado Federal, e somente assumiu o cargo em 29 de maio de 2023.
O governo do Presidente Lula reitera seu compromisso com o respeito e o diálogo transparente como elementos fundamentais nas relações diplomáticas com o Paraguai e com todos seus parceiros na região e no mundo.”
A investigação faz parte de um inquérito sobre desvios na Abin durante a gestão do ex-diretor Alexandre Ramagem, no governo Bolsonaro, mas também levanta suspeitas de irregularidades na administração atual.

O depoimento foi prestado em novembro passado por um servidor da Abin com mais de 20 anos de experiência em inteligência. Ele atuou tanto na gestão de Ramagem quanto na operação hacker relatada à PF.
Abin queria informações estratégicas sobre a negociação de Itaipu
A transcrição do interrogatório foi enviada sob sigilo ao Supremo Tribunal Federal (STF) e obtida pelo Uol. Para preservar a segurança do agente, o portal omitiu o nome dele. Outro servidor da Abin confirmou a operação à PF, mas não deu detalhes por não ter participado diretamente.
Segundo o agente, a invasão envolveu o uso do programa Cobalt Strike, um programa usado para acessar dispositivos de informática. “O Cobalt Strike era uma ferramenta utilizada para o desenvolvimento de um artefato de intrusão em computadores do governo paraguaio para dados relacionados à negociação bilateral de Itaipu”, afirmou o agente da Abin à PF.

O depoimento diz também que o objeto da operação “era a obtenção dos valores que seriam negociados do anexo C dos valores de venda de energia produzida por Itaipu”. O chamado anexo C do tratado sobre a divisão de energia assinado entre Brasil e Paraguai em 1973 estabelece as bases financeiras de comercialização da energia de Itaipu.
A energia de Itaipu é dividida igualmente entre Brasil e Paraguai. Como o Paraguai consome menos, vende o excedente ao Brasil. As regras dessa venda são estabelecidas no anexo C, cuja revisão estava prevista para 2023. Nos últimos anos, o Paraguai vinha pressionando o Brasil por tarifas mais altas.
Em maio passado, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, fechou um acordo com o presidente do Paraguai, Santiago Peña, para elevar o valor pago pelo Brasil, mas que ficou abaixo do exigido pelos paraguaios. Na mesma época, o governo brasileiro também abriu discussões sobre a revisão do anexo C.

A operação da Abin não foi feita a partir do Brasil. Agentes fizeram três viagens ao Chile e ao Panamá para configurar servidores virtuais e lançar os ataques. Os alvos eram “autoridades relacionadas diretamente à negociação e aos valores a serem cobrados por megawatt”, disse o agente. “Foram invadidos o Congresso paraguaio, Senado, Câmara e Presidência da República”
A operação buscou capturar senhas e dados de usuários para obter informações estratégicas sobre a negociação de Itaipu. Dados de cinco a seis pessoas foram obtidos, mas o agente não revelou suas identidades nem detalhou o conteúdo extraído.
A PF questionou se a cúpula da Abin sabia da operação e se houve autorização formal. O agente respondeu que o plano foi inicialmente aprovado pelo então diretor da Abin, Victor Carneiro, que assumiu no fim do governo Bolsonaro, depois de Alexandre Ramagem. Segundo ele, a ação ganhou aval dos diretores subsequentes, inclusive o atual, Luiz Fernando Corrêa.

Em depoimento, o agente relatou que um dirigente da Abin “apresentou pessoalmente” a operação para o atual diretor da agência. “Luiz Fernando teria vibrado, gostou muito, que era a primeira vez que se sentia numa atividade de inteligência”, relatou o servidor à PF.
Luiz Fernando Corrêa, homem de confiança de Lula, é delegado aposentado da Polícia Federal e já comandou a corporação no segundo governo do petista. Sua nomeação para a Abin desagradou o atual diretor da PF, Andrei Rodrigues, que buscava indicar um nome de sua confiança. Nos bastidores, a investigação sobre a atual gestão da Abin é vista como reflexo dessa disputa interna.
A PF iniciou a apuração focada no uso da Abin durante o governo Bolsonaro para espionar adversários políticos e proteger os filhos do ex-presidente. As provas obtidas levaram à descoberta de suspeitas sobre as administrações seguintes, o que ampliou o escopo da investigação.
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