O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, sempre foi muito bom de discurso. Nem precisa de media training. Suas palavras diretas se assemelham a lanças que atingem seu objetivo.
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Tal habilidade, porém, começa disputar espaço com um clamor que vem crescendo em boa parte da sociedade israelense, inclusive entre setores liberais. A desconfiança é de que, nas ações do atual governo, há algo além da garantia da autodefesa de Israel, considerada vital por todos os cidadãos.
O primeiro-ministro tem recebido repetidas acusações de que prolonga a guerra movido a interesses pessoais. Inclusive para evitar a prisão em caso de condenação em processos que está sendo julgado.
Desta forma, a luta contra o grupo terrorista Hamas, e mais seis frentes, conforme o próprio Netanyahu costuma frisar, ganhou para ele mais um front. Não tão sangrento, mas que pode causar até sua morte política: o front interno.
Além da pressão encabeçada por familiares dos reféns, pelo fim da guerra na Faixa de Gaza, tem pesado contra ele o depoimento do ex-chefe do Shin Beit (Serviço de Segurança), Ronen Bar, demitido em março por Netanyahu. A situação colocou o primeiro-ministro em uma posição fragilizada.
Em depoimento juramentado para a Suprema Corte de Israel, na terça-feira 22, Bar acusou Netanyahu de tê-lo tentado induzir a realizar tarefas de “lealdade pessoal.”
Para a especialista em política israelense, Revital Poleg, em meio a esta pressão, não é possível destituir apenas o primeiro-ministro sem derrubar o governo como um todo.
Ex-diplomata, Revital trabalhou com o ex-primeiro-ministro Shimon Peres (1923-2016) — quando ele era Ministro das Relações Exteriores — durante os Acordos de Oslo, em 1993 e 1995.
Ela considera que, para Netanyahu deixar o cargo, seria necessário aprovar uma moção de desconfiança com maioria absoluta (61 votos mínimo) — algo que a oposição, no cenário atual, não tem, segundo ela, capacidade de alcançar.
“Mesmo que a opinião pública esteja em desacordo com Netanyahu em diversas questões, não há uma via parlamentar viável para retirá-lo do poder”, afirma Revital a Oeste. Ela, também atuou como chefe de gabinete e assessora de Assuntos Internacionais do presidente do Knesset (Parlamento), Avraham Burg, entre 1999 e 2003.
Netanyahu atribui todas as acusações à perseguição de opositores. E resiste. Na demissão de Bar, ele contrariou decisão da Suprema Corte, o que provocou uma enxurrada de críticas em relação a uma suposta intenção de acabar com a democracia israelense.
Pesquisa do Canal 12 indicou que 60% da população quer a renúncia do primeiro-ministro, aquele que por mais tempo permaneceu no cargo em Israel, no total de 16 anos e três meses.
Desde 2019, o país vive uma instabilidade, com cinco eleições ocorrendo para confirmar o bloco de Netanyahu no poder. Ele só deixou o cargo, neste período, por cerca de um ano, entre 2021 e 2022, quando retornou com força, com base no apoio de grupos ortodoxos.
Esta fase de Netanyahu coincide com uma série de acusações contra ele. Ele está sendo julgado pelo Tribunal Distrital de Jerusalém, por suspeitas de suborno, fraude e quebra de confiança, em três casos separados.
Caso seja condenado, poderá recorrer à Suprema Corte e tem resistido, inclusive eleitoralmente, nos últimos anos.
A questão da guerra, que suscitará um comitê investigativo especial, e a polêmica com o ex-chefe do Shin Beit, no entanto, obrigaram ele a fazer um esforço dobrado para se manter no poder.
Nas últimas eleições, realizadas em 1º de novembro de 2022, o partido Likud, liderado por Netanyahu, obteve o maior número de votos e conseguiu formar uma coalizão governista com 64 dos 120 assentos do Knesset.
Esse número aumentou para 67 depois da entrada do partido de Gideon Sa’ar (ministro das Relações Exteriores) na coalizão. Isso, no entanto, não é o único fator que o mantém no cargo.
“Benjamin Netanyahu é, sem dúvida, uma pessoa extremamente inteligente — um dos líderes mais brilhantes do mundo atualmente”, afirma Revital. “Ele possui uma compreensão profunda das dinâmicas internacionais e uma notável capacidade de análise. Além disso, sua visão macroeconômica é sólida, algo essencial para quem lidera um país. Essas são qualidades importantes e reconhecidas inclusive por muitos de seus opositores.”
Ela considera, no entanto, que Netanyahu se desgastou com sua permanência excessiva no poder. A legislação israelense não limita o número de mandatos.
“A permanência prolongada no cargo, infelizmente, costuma corroer valores éticos — o que parece ter ocorrido também neste caso”, ressalta a ex-diplomata. “Com o passar dos anos, a perspectiva moral pode se distorcer, e o vínculo direto com o público tende a se enfraquecer.”
Defesa de Netanyahu
O poder, para Netanyahu, parece ser uma obsessão. A cadeira confortável na sede do governo é o objeto que mais lhe traz segurança. Mesmo em meio à guerra, às sirenes que alertam para bombardeios e à sensação de vulnerabilidade da população.
“Não sou psicóloga, mas a impressão é de que Netanyahu tem dificuldade em imaginar a si mesmo fora do cargo”, resume a especialista. “Além disso, ele parece fortemente influenciado por pessoas próximas, especialmente membros de sua família, que demonstram grande interesse na manutenção do poder — nem sempre por razões alinhadas ao bem público.”
Revital acrescenta que, com o tempo — e desde que foi formalmente acusado de corrupção, fraude e quebra de confiança em 2018 — a conduta política dele se deteriorou.
“Depois dos eventos traumáticos de 7 de outubro de 2023, esse processo se intensificou ainda mais.”
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Netanyahu não titubeia em defesa de sua política. Ele rebate as acusações, chamando opositores de hipócritas que querem a rendição do país. Como arma, utiliza a força de seu discurso, para muitos com a eloquência que lembra a do Rei Davi nos tempos em que unificou as tribos de Israel. Ou de um texto da Hagadá, livro que relata a saída dos judeus do Egito.
“Se eu tivesse cedido a esses apelos: não teríamos entrado em Rafah, não teríamos tomado o corredor Filadélfia, não teríamos realizado a Operação Pagers, não teríamos eliminado Sinwar, Deif, Haniyeh ou Nasrallah, não teríamos criado as condições para a queda do regime de Assad e um golpe duro contra o eixo iraniano, não teríamos mudado a face do Oriente Médio”, declarou.
O tom dele era quase bíblico, capaz de seduzir qualquer população ávida por recuperar a autoestima e com medo de voltar a ser atacada. “Simplesmente teríamos continuado a viver sob um perigo existencial”, completou o primeiro-ministro.
A guerra contra o Hamas pode ter deixado Netanyahu acuado. Mas, nesta política israelense cheia de contradições, também o elevou ao patamar de um líder que, depois dos ataques terroristas, conseguiu, bem ou mal, proteger as fronteiras de Israel.
É nesta crença que ele quer que a população continue se apegando. Para que não o abandone de vez. Até quando, é uma resposta que só os profetas saberiam dar.
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