Um presidente mentiroso — mas não é quem você imaginou

Temos um presidente fanfarrão, mentiroso, que descaradamente promove a farsa em holofotes internacionais, que não demonstra pudores em aviltar todos os parâmetros do próprio cargo que ocupa e aprofundar o abismo de desconfiança que paira sobre ele e seu entorno. Não, eu não estou falando do presidente Lula. Poderia estar, mas não estou. Estou falando uma autoridade mais importante: o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).

Já me manifestei, sobre a matéria da The Economist, que, no último dia 16, repercutiu o fenômeno de hipertrofia do Poder Judiciário brasileiro personificado pelo ministro Alexandre de Moraes. Resumidamente, o texto evidenciava preocupação com o poder exacerbado de que o Supremo se investe em nosso país, tendo Moraes na linha de frente, mas com claro respaldo de seus pares na cúpula judicial. Ressaltava a autoimagem bizarra de Moraes como um “liberal” que defende a “República” contra o extremismo e seu problema de natureza pessoal com os bolsonaristas, justificativas para atitudes como censura prévia, avanços contra a imunidade parlamentar, desrespeito às atribuições de outros poderes constitucionais e condenações draconianas e desproporcionais.

O próprio Supremo — representado, como esperado, pelo seu presidente Barroso — decidiu se manifestar em nota oficial em resposta à revista The Economist. Não se espera algo assim de uma Suprema Corte de qualquer país que se preze, mas seria mais do que redundante proclamar que os nossos togados mandaram às favas toda a discrição esperada de seus cargos e que se comportam como uma facção política. Isso já ultrapassou todos os limites há muito tempo. Atentemos, portanto, diretamente para alguns aspectos do conteúdo da nota.

Barroso diz que a revista reverberou a narrativa dos que tentaram aplicar um golpe de Estado no Brasil — e foram impedidos, naturalmente, pelo valoroso Supremo — em vez de retratar a plena vitalidade da democracia brasileira. Já “condenou”, com isso, em nota oficial para o público internacional, todos os julgados no próprio Supremo por uma suposta tentativa de golpe de Estado, já que sentenciou que ela de fato ocorreu, como bem tem apontado o jurista André Marsiglia. Em nenhum momento, ao comentar as ameaças que a (in)justiça brasileira mobilizou contra Elon Musk e a rede social X e os impasses que se estabeleceram em consequência, o presidente do Supremo assumiu que o que Moraes queria era censurar postagens. O pior, porém, o mais despudorado, foi Barroso dizer que a revista estava mentindo ao atribuir a ele a declaração de que “a corte derrotou Bolsonaro”, pois o que ele quis dizer foi que “os eleitores” derrotaram o ex-presidente da República.

Fosse verdade e isso não isentaria Barroso, no mínimo, da inadequação grotesca de seu gesto. Ele estava em um evento da União Nacional dos Estudantes, bradando em tom de comício, e se pôs a celebrar a derrota de uma parcialidade política. Isso, por si só, já não é um claro desvio de conduta do que se esperaria de um representante do Judiciário? Porém, o que Barroso fez foi, em nome, ratifico, do STF, mentir. Sua frase, como a gravação disseminada por todos os cantos desta Internet não deixa mentir, foi claramente “nós derrotamos o bolsonarismo”. “Nós”, por óbvio, inclui o próprio orador. Na mesma ocasião, disse: “Já enfrentei a ditadura e já enfrentei o bolsonarismo, não me preocupo”. Ele deixou claro entender que seria sua função combater um candidato à Presidência e sua militância.

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Autoridades, durante a abertura do Ano do Judiciário — 3/2/2025 | Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo

Na noite do último dia 23, acrescente-se que Barroso cantou junto a um músico sertanejo na festa do presidente do Partido Republicanos, o deputado federal Marcos Pereira, abraçado alegremente ao parlamentar — que está legalmente sujeito, como todos os parlamentares, via foro privilegiado, a ser julgado pelo ministro e por sua Corte. Não há nenhum bom senso, nenhum decoro, nenhum respeito, não há mais nada que se salve; e estamos falando do presidente do órgão, o que só torna tudo ainda mais grave. Segundo o artigo 39 da lei do impeachment de ministros do STF, eles podem ser enquadrados como tendo cometido crimes de responsabilidade, passíveis de gerar sua remoção pelo Senado, por “exercer atividade político-partidária” e “proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções”. À luz disso, tenho dificuldades de compreender o que Luís Roberto Barroso ainda está fazendo lá.

Leia também: “A hora é agora”, reportagem publicada na Edição 265 da Revista Oeste

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