O ataque terrorista do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023 tinha o objetivo de prejudicar as negociações de paz entre o Estado judeu e a Arábia Saudita. É o que mostra a ata de uma reunião do alto escalão do grupo terrorista palestino revelada pelo jornal norte-americano The Wall Street Journal e que, segundo o Exército israelense, foi descoberta em um túnel sob o enclave.
Esses documentos revelam uma crescente preocupação entre os líderes do Hamas com o avanço das negociações entre Israel e Arábia Saudita, mediadas pelos EUA. Em 2023, autoridades dos três países diziam que as diferenças estavam diminuindo.
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Dias antes do ataque — que deixou cerca de 1,2 mil mortos — Yahya Sinwar, chefe do Hamas em Gaza, disse a outros militantes que seria necessário um “ato extraordinário” para sabotar as negociações. Segundo ele, um acordo ameaçaria marginalizar a causa palestina, conforme consta no documento analisado pelo WSJ. O plano funcionou, mas custou caro.
O ataque do Hamas, que tem apoio do Irã, com assassinatos e sequestros em massa, provocou uma campanha militar israelense para destruir o grupo. A ofensiva de Israel, segundo o Ministério da Saúde de Gaza — controlado pelo Hamas —, já causou a morte de mais de 53 mil palestinos e deixou o território em ruínas.
O conflito interrompeu o progresso das conversas rumo a um acordo de paz, pelo menos por enquanto. Na terça-feira 13, o presidente Trump, em visita a Riad, conclamou a Arábia Saudita a estabelecer relações com Israel. “Vocês farão isso no seu tempo”, afirmou.
A ata da reunião do núcleo político do Hamas em Gaza, datada de 2 de outubro de 2023, descreve uma afirmação de Sinwar sobre não haver dúvida “de que o acordo de normalização entre Arábia Saudita e sionistas está avançando significativamente”.

O líder do grupo terrorista alertou que um acordo saudita-israelense “abriria as portas para que a maioria dos países árabes e islâmicos seguissem o mesmo caminho”.
Para Sinwar e o Hamas, que defendem a destruição total de Israel e a criação de um Estado palestino entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo, acordos de paz desse tipo eram inaceitáveis. Sinwar declarou que era hora de desencadear um ataque que estava em planejamento há dois anos.
O objetivo, disse ele, era “provocar um grande movimento ou uma mudança estratégica nos rumos e equilíbrios da região em relação à causa palestina”. Ele esperava ajuda de outras forças apoiadas pelo Irã que compõem o chamado eixo de resistência a Israel.
This is disgusting. Hamas thanked Canada for the second time. Once at the end of Justin Trudeau’s term and now at the beginning of Mark Carney’s term. Canada is falling. I came here as a refugee. In 1979 the unity of Islamists and leftists ruined my beautiful country, Iran. Now,… pic.twitter.com/Ygbneos6iw
— Salman Sima (@SalmanSima) May 20, 2025
O WSJ perguntou ao Hamas sobre a autenticidade da ata e de seu conteúdo, mas não houve resposta. Autoridades de inteligência árabes familiarizadas com o grupo e seus registros disseram ao jornal que o documento parece ser genuíno, assim como outros que o Exército israelense afirma ter encontrado em Gaza.
Esse novo lote de registros do Hamas é mais um elo na cadeia de eventos que levou ao 7 de outubro de 2023, o dia mais letal para os israelenses desde a fundação do país, em 1948.
Segundo membros seniores do Hamas e do Hezbollah, houve outra reunião ligada ao ataque. O encontro aconteceu em 2 de outubro daquele ano, em Beirute, no Líbano, e envolveu representantes do Hamas e autoridades de segurança iranianas. O Irã teria aprovado o ataque planejado, segundo essas fontes.

Outros oficiais do Hamas e do Hezbollah contestam essa informação. Eles afirmam que os detalhes do ataque, incluindo sua magnitude e data, foram mantidos em sigilo pela ala militar do Hamas em Gaza.
Hamas planejava ataque desde 2021
Desde meados de 2021, autoridades iranianas e do Hezbollah vinham discutindo opções de ataque a Israel com o Hamas. O Irã também forneceu armas, financiamento e treinamento ao Hamas, inclusive com treinamento de combate nas semanas que antecederam o 7 de outubro, segundo autoridades de inteligência de diversos países.
Mas Teerã e o Hezbollah deixaram claro ao Hamas que não queriam se envolver diretamente em uma guerra total com Israel, de acordo com fontes do eixo e da inteligência israelense.
58 hostages are still held captive by Hamas in Gaza.
Never stop talking about them.
We will not rest until every last hostage comes home. pic.twitter.com/AN0qyn1r92
— Israel ישראל (@Israel) May 19, 2025
Muitos dos envolvidos diretamente no planejamento dos ataques de 7 de outubro já estão mortos. Sinwar foi morto por tropas israelenses em Gaza em outubro passado. A maioria dos principais líderes do Hamas em Gaza também foi morta, inclusive alguns presentes na reunião de 2 de outubro, como Marwan Issa.
Israel também matou líderes do Hamas no exílio, entre eles Ismail Haniyeh, que era a figura mais poderosa do movimento junto com Yahya Sinwar. Na semana passada, um ataque aéreo israelense em Gaza teve como alvo o irmão de Sinwar, Mohammed, chefe das operações militares do Hamas; não se sabe se ele foi morto.
Entre os outros documentos internos do Hamas encontrados pelas forças israelenses e obtidos pelo WSJ consta um relatório de setembro de 2023 que recomendava intensificar o conflito na Cisjordânia e em Jerusalém para dificultar a normalização entre Arábia Saudita e Israel.

O relatório expressava desconfiança das promessas sauditas de defender os interesses palestinos, as quais descreveu como “medidas fracas e limitadas para neutralizar” o Hamas e impedi-lo de combater a normalização. As relações entre a Arábia Saudita e o Hamas estavam frias desde que o grupo tomou o controle da Faixa de Gaza à força da facção palestina rival Fatah.
Acordo com sauditas mudaria radicalmente condição política de Israel
Um relatório interno classificado como “secreto”, datado de agosto de 2022 e escrito pela liderança militar do Hamas, concluía que “tornou-se dever do movimento reposicionar-se para… preservar a sobrevivência da causa palestina diante da ampla onda de normalização por países árabes, que visa principalmente liquidar a causa palestina”.
Em resposta, o Hamas estava fortalecendo sua coordenação com o Hezbollah e outras facções militantes palestinas, segundo o documento.
“Há mortos sobre mim.
Os terroristas ainda estão por perto.”Yuval Rafael, representante de Israel no Eurovision, sobreviveu durante o massacre do Hamas após o festival Nova.
Diante de toda a Europa e do mundo, ele demonstrou sua resiliência e a do nosso povo. pic.twitter.com/8HcTCHKxrP
— Israel no Brasil (@IsraelinBrazil) May 20, 2025
A normalização entre Arábia Saudita e Israel representaria a maior mudança na posição política de Israel no Oriente Médio desde os tratados de paz com Jordânia e Egito, décadas atrás. Em 2020, Israel também estabeleceu relações diplomáticas plenas com os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein, nos chamados Acordos de Abraão.
Mas um acordo com Riad sempre foi o grande prêmio para Israel — e um dos principais objetivos de Washington, que busca formar uma coalizão regional para conter o Irã.
O alto custo em vidas e destruição em Gaza mudou o cálculo político para o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman. Ele disse a diversos visitantes estrangeiros no último ano que não pode prosseguir com a normalização sem que Israel atenda a duas condições: interromper a guerra em Gaza e aceitar um processo diplomático que leve, eventualmente, à criação de um Estado palestino.

No entanto, o ataque de 7 de outubro endureceu as posições em Israel, possivelmente por anos. A ideia de um Estado palestino tornou-se inaceitável para grande parte do espectro político israelense.
Entre os documentos que o Exército de Israel disse ter encontrado também está uma vaga de emprego do Hamas, datada de outubro de 2022, em busca de alguém para liderar os esforços diplomáticos contra a normalização. Não está claro onde o anúncio foi publicado — ou quanto pagava.
A vaga, no Departamento de Cooperação Árabe e Islâmica do Hamas, exigia um graduado universitário com habilidades em negociação e comunicação. Parte da descrição do cargo era “divulgar os programas do movimento para confrontar a normalização”, inclusive mobilizando organizações populares no mundo árabe a boicotar entidades que apoiem relações normais com Israel.
O post 7 de outubro foi esforço do Hamas para interromper conversas entre Israel e Arábia Saudita apareceu primeiro em Revista Oeste.